quinta-feira, 25 de junho de 2009

O Rei está morto. Viva o Rei!

O prezado leitor pode não entender o porquê de, logo o colunista de Um Texto por Semana, que tanto criticou a excessiva cobertura da imprensa à tragédia do vôo 447, ser justamente quem irá voltar ao assunto. Mas tão logo avance no texto, verá que o vamos tratar é pertinente e por demais curioso. Na verdade, a tragédia terá sido apenas a porta de entrada no assunto, que vem do tempo em que nem sonhávamos em voar.

Logo nas primeiras horas da manhã daquela fatídica segunda-feira, quando ainda estávamos muito longe de sequer chegar perto de algo que se parecesse com uma lista de vítimas, já sabíamos o nome de alguns passageiros, ilustres principalmente por seus títulos.

Um presidente de multinacional, um maestro e um príncipe brasileiro. Foi aí que me aguçou a curiosidade.

O jovem Pedro Luiz de Orleans e Bragança, morto no vôo 447, ou Pedro Luiz Maria José Miguel Gabriel Rafael Gonzaga de Orleans e Bragança, era tataraneto da Princesa Isabel. Segundo a página da Casa Imperial do Brasil, uma instituição que se diz coordenadora das atividades monárquicas no Brasil e defensora da causa monárquica, ou seja, da restauração da monarquia no Brasil, Pedro Luiz era um entusiasta desta restauração. A página, atualizada logo depois do acidente, diz no texto de despedida: “por acreditarem que pode estar próxima a restauração da monarquia no Brasil, a maioria dos monarquistas brasileiros depositavam nele as esperanças pela restauração”.

Mas quem é essa gente?! Que brasileiros são esses que acreditam que uma restauração da monarquia pode estar próxima? Será que esquecem que a monarquia foi amplamente rejeitada no plebiscito de 1993. Aliás, um momento patético da história política brasileira e que, infelizmente, precisa ser relembrado.

No início da década de 1990, Antônio Henrique da Cunha Bueno, um deputado do PDS (Partido Democrático Social, agremiação de direita que teve entre seus fundadores José Sarney, Paulo Maluf e Mário Andreazza), conseguiu assinaturas suficientes para fazer funcionar um plebiscito nacional que decidiria se nossa forma de governo continuaria a ser a República, assim desde 1889, ou se voltaríamos à Monarquia. Também decidiríamos se o sistema de governo continuaria sendo o presidencialismo ou se nos transformaríamos em uma nação parlamentarista.

Nesta última, a escolha seria até válida, mas incluir a monarquia como opção de governo transformou o plebiscito em uma grande piada. Como não encarar desta forma? O slogan dos monarquistas, que tiveram direito ao uso do horário eleitoral e montaram campanhas e jingles, era: “Vote no rei!”. O jingle, uma jóia do marqueterismo político, dizia assim: “Por isso vem brasileiro entrar na real / pro nosso Brasil sair dessa afinal / A luz de uma idéia mudar o país / justiça e paz dentro da lei / Vote no Rei!!”.

Inacreditável!

A monarquia recebeu impressionantes 7% dos votos, contra 49% favoráveis a manutenção da República e outros 25% de abstenções. O presidencialismo, defendido pelo PT, PMBD, PFL e PTB, venceu os parlamentaristas do PSDB, e ficamos exatamente como estávamos. Só não se sabe quanto custou a brincadeira do plebiscito aos cofres públicos.

Mas voltemos a nossa família imperial. Ou famílias, já que existem dois ramos descendentes da Princesa Isabel, ou seja, cada um descendo de um dos filhos homens.

Isabel teve dois filhos, Luiz e Pedro (os nomes se repetem na família real, cuidado para não se confundir). Pedro de Alcântara, o primeiro na linha sucessória, abdicou do trono para se casar com uma condessa. A renúncia era por conta da moça não ter um título alto o suficiente para poder dar continuidade ao sangue azul da família real. Como o Brasil já não era mesmo uma monarquia e Pedro estava apaixonado, preferiu abrir mão dos direitos dinásticos.

Então a linhagem monárquica seguiu com os descendentes do caçula Luiz. Seu neto, Luiz de Orleans e Bragança, é hoje o chefe da tal Casa Imperial do Brasil. Pedro Luiz, o morto no acidente aéreo, era sobrinho de Luiz de Orleans.

Mas a família de Luiz, filho de Isabel, ganhou mas não levou. Conhecida como Ramo de Vassouras, os descendentes de Luiz herdaram os títulos mas ficaram sem o ouro. Esse ficou, e continua ficando, com o Ramo de Petrópolis, dos descendentes de Pedro, o que renunciou por amor.

E não é pouco dinheiro não, os descendentes de Pedro de Alcântara ainda lucram no Brasil sem fazer absolutamente nada.

É nobre leitor, a pesquisa, de tanto andar, foi dar com os costados em nada mais nada menos que o século V a.C, isso mesmo, voltamos 2500 anos de história para entender por que ainda se paga tributos à extinta monarquia brasileira.

Foi neste período que o Direito Romano criou o conceito da Enfiteuse, ou seja, o arrendamento por prazo longo ou perpétuo de terras públicas, que dava a seus arrendatários o direito de cobrar 2,5% do valor da venda do terreno, quantas vezes ele fosse vendido, para quem quer que fosse vendido, eternamente e para todos os seus descendentes. Este ótimo negócio tem nome, chama-se Laudêmio.

E em Petrópolis, cidade a 70 quilômetros do Rio de Janeiro, que abrigou tantas vezes a corte brasileira e hoje sede do Museu Imperial, ainda se cobra o Laudêmio Imperial. Qualquer venda de imóvel feita no centro da cidade deve pagar a uma certa Companhia Imobiliária de Petrópolis os tais 2,5%. Segundo o advogado que administra o escritório, grande parte deste dinheiro vai para a preservação de florestas. Pouca gente acredita nisso em Petrópolis, onde o assunto é tratado de forma velada.

Quem sabe a família imperial pudesse mostrar que realmente está apta a comandar o país utilizando este dinheiro em momentos especiais, como na tragédia do ano passado com as enchentes em Santa Catarina ou até mesmo nos desabrigados deste ano no norte do país, para continuar, assim dizendo, no tema que inspira este artigo. Mas não sabemos nada sobre esse dinheiro. Não sabemos quanto nem pra onde vai. Não há auditoria. Para se ter uma idéia do montante, consultando o mercado imobiliário de Petrópolis descobre-se que o valor de uma loja no centro da cidade pode variar entre R$600 mil e R$3 milhões. No caso da venda pelo maior valor, uma única venda, a família imperial recebe, sem verter uma única gota de suor, R$75 mil. Nada mal.

Quem sabe coubesse ao Ministério Público iniciar uma investigação sobre o caso, ou aos deputados, uma análise sobre a constitucionalidade da manutenção desta cobrança. O certo é o seguinte, se a monarquia brasileira, extinta há 120 anos, ainda merece receber pelo que um dia foi seu, é a hora de acertar as contas com os Tamoios. Eu mesmo vou procurar por minhas raízes, quem sabe sou tataraneto de Caramuru e tenha lá meu quinhão a receber? Vai saber...

KF



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