França cai e Europa fica nas mãos da Alemanha (manchete O Globo – 14/01/2012).
Uma manchete assim não há como se ignorar, principalmente se levarmos em conta que o país em questão foi totalmente destruído, duas vezes, no século passado.
O colunista esteve recentemente na Alemanha e tenta entender o incrível poder de recuperação deste povo alemão.
Uma expressiva cadeia montanhosa coberta de neve captou a atenção do colunista. Eram os Alpes suíços, que marcavam os momentos finais de aproximação do longo vôo São Paulo-Frankfurt, na Alemanha.
Logo em seguida, na baixada que se seguiu, enormes cataventos apareceram na paisagem. Com certeza não era a Holanda, voávamos Alemanha adentro. E os cataventos em questão não serviam para moer grãos, mas sim para gerar energia limpa.
A Alemanha é hoje líder no desenvolvimento de novas fontes de energia. E vai precisar delas cada vez mais visto que a presidente Ângela Merckel anunciou, após a catástrofe na usina de Fukushima, que irá desativar 17 usinas nucleares alemães.
Mas o país não está apenas na liderança de soluções energéticas. Os alemães vem desenvolvendo produtos, idéias, arte, ciência e máquinas a mais tempo do que nos damos conta e crédito.
É curioso que pensemos nos norte-americanos, japoneses ou até mesmo nos italianos quando os assuntos são invenções ou construções. Mas depois deste texto o nobre leitor talvez perceba, assim como aconteceu com o colunista, que os Alemães vão muito além da Cerveja Cerveja Cerveja!!!
Os elefantes* da Germânia
Talvez a permanência da Alemanha na sombra da história possa ser entendida a partir de algumas observações: primeiro a pouca habilidade dos alemães em se comunicar, não só pelo idioma complicado mas principalmente pelo pouco domínio sobre isso que chamamos de publicidade, ou a arte de tornar público, notório, de vender o seu peixe.
Por outro lado, o poder empreendedor desse povo é impressionante. Destruída e falida, a Alemanha levou 2 décadas após a I Guerra Mundial para se tornar novamente uma superpotência rica e armada. Muito bem armada.
De tão armada chegou a ocupar praticamente toda a Europa. O passeio de Hitller ao Louvre em plena guerra é o emblema máximo deste momento.
No entanto, a mesma característica que faz os alemães serem quem são, seria justamente o que os derrotaria: são metódicos e racionais.
No fim das contas, os alemães foram derrotados por eles mesmos, por seu excesso de confiança no método alemão, no jeito alemão de fazer as coisas.
Confiantes de que seus Panzers, que sua Blitzkrieg (guerras-relâmpago), e que o sangue azul da raça ariana seriam o suficiente, faltou aos alemães a flexibilidade e o poder de adaptação para entender que a guerra estava mudando, e que eles precisavam mudar.
Hitler jamais admitiria mudar sua estratégia, pois mudar, para ele, seria admitir que estava errado.
Sorte nossa!
O fim da guerra trouxe ao mundo uma verdade horrenda sobre a Alemanha. As imagens dos campos de concentração com suas câmaras de gás jogaram o povo alemão dentro de um grande sentimento de vergonha. Um grande constrangimento.
Em um resumo (sem qualquer rigor científico), parece que esse abatimento, somado aquela pouca habilidade em divulgar seus resultados e sucessos, levou a Alemanha para a sombra. Sombra que ainda permanece (ou permanecia) até hoje.
* o mundo é como a selva, quem leva a fama é o Leão, que ruge mais alto, mas o Rei da Selva é o elefante.
Os alemães e suas máquinas
Os tais eficientes tanques Panzers, que tanto aterrorizaram as tropas aliadas, nada mais foram do que o resultado de uma habilidade tradicional do povo alemão em inventar e produzir máquinas.
Da próxima vez que entrar em um elevador ou estiver subindo de andar confortavelmente em uma escada rolante, agradeça a alemã ThyssenKruppe. Precisa pregar um quadro na parede ou fixar uma prateleira? Provavelmente você vai usar uma furadeira Bosch (que também produz, entre tantos itens, as velas que fazem nossos carros funcionarem).
E já que falamos em automóveis, entrou em um ônibus, talvez o motor que te movimentará pela cidade seja da Mercedez Benz ou Volkswagen.
E não para por ai. Pense em carros e você também terá os Audis, BMWs, Opels, Daimlers, e Porsches, todos alemães. O Fusca é alemão (sob encomenda de Hitler para o engenheiro Ferdinand Porsche) !
E não só sabem construí-los, pilotam que é uma beleza. São sete os títulos do alemão Michael Schumacher e dois (por enquanto) os do conterrâneo Sebastian Vettel.
Ficou com dor de cabeça? Vai tomar uma aspirina? Então agradeça a farmacêutica Bayer, de Leverkusen, Alemanha. Ficou resfriado? Vai tomar um Cebion? Então apresente seus cumprimentos à Merck, de Darmstadt, Alemanha também.
Os muito antigos ouviram rádio, os nem tão antigos viram a TV a cores, todas Telefunken, de Berlin! É do tempo das fitas K-7? Então você deve ter gravado suas músicas preferidas em uma fita da Badische Anilin und Soda-Fabrik, ou simplesmente: BASF!
E se você está lendo isso é porque o alemão Johannes Gutenberg inventou o primeiro sistema de impressão, e seu patrício Konrad Zuse, o primeiro computador funcional!
E você ficaria surpreso ao saber que a Árvore de Natal é uma invenção alemã? E o coelho da Páscoa? Tradição trazida pelos alemães para os Estados Unidos no final do século XVII. O happy hour, ou seja, o hábito de parar para uma relaxada antes de chegar em casa depois do trabalho? Também uma invenção da cultura germânica. A vida ao ar-livre, o montanhismo? Tudo alemão!
Cláudia Schiffer em seus melhores dias |
E por aí podemos seguir sem parar. Einstein era alemão, Freud também (na verdade austríaco, mas a Áustria é basicamente uma Alemanha com outro nome...), Bertold Brecht, Beethoven também (Reino da Prússia – logo germânico) assim com Bach, Handel, Orff, Schumann, Strauss, Wagner e dezenas de outros menos conhecidos.
Branca de Neve? Cinderela? O Flautista de Hamelin? O Príncipe Sapo? Rapunzel? A Bela Adormecida? Você acha que são de Walt Disney? Nada disso! Todos estes contos são dos alemães Jacob e Wilhelm Grimm.
Durante muito tempo tivemos como ideal de beleza a alemã Cláudia Schiffer, que figura hoje no Guinness como a modelo que mais capas fez em todo o mundo. Hoje quem ocupa este posto é a brasileira Gisele Bündchen. Não precisamos pensar muito para saber de onde vem o DNA da moça com sobrenome tão sonoramente germânico.
Em suma: os alemães estão por toda parte!
Terra dos alemães
Então que povo é esse? Porque sabemos tão pouco dos alemães? Porque damos tão pouco crédito? Porque interagimos tão pouco? Será pelo dificílimo idioma?
Durante muito tempo o colunista tentou entender porque tinha a sensação de que os alemães não usavam a vírgula em suas conversas. Para um não-falante, parecia que uma palavra emendava na outra, e na outra, e na outra, fechando apenas no ponto final.
Compreendendo a formação do idioma alemão, fica mais fácil entender essa sensação de verborragia.
Ao invés de inventarem novas palavras, criando um idioma vasto em vocábulos originais, como é o português, os alemães preferiram ir juntando palavras para criar novas descrições e idéias. Para se ter um brevíssimo exemplo, a famosa despedida em alemão Auf Wiedersehen, é na verdade a junção de três palavras: auf=em, wieder=de volta, sehen=ver.
Ou seja, para dar um simples tchau em alemão temos que dizer algo como “nos veremos na volta”. É até simpático, mas com certeza não muito prático.
O principal jornal da Alemanha chama-se singelamente: FRANKFURTER ALLGEMEINE ZEITUNG. Frankfurter (aquele que é de Frankfurt) Allgemeine (all=todos; gemeine=comum) Zeitung (Zeit=tempo; Tung=processamento, juntas querem dizer jornal). Resumindo: Jornal de Frankfurt
A estrutura das frases é também curiosa. Se você precisar dizer para alguém que não fala português, a frase será: Eu não falo português. No inglês seguirá a mesma estrutura: I dont speak english. E no espanhol igual: Yo no hablo español.
No entanto, se quiser dizer o mesmo em alemão teremos: Ich sprechen nicht Deutsch. Ou seja: Eu falo não alemão. Ou seja, a negação vem no final. É por isso que dizem que um tem que esperar a frase ser dita até o final, pois será apenas com a frase completa que o sentido da mensagem será entendido. Talvez seja por isso que Caetano Veloso cantou em Língua, um de seus sucessos, que só seria possível filosofar em alemão. E nisso temos Thomas Mann, Karl Marx, Nietzsche, Adorno, Walter Benjamin, Engels, Goethe, Habermas, Kant, Schopenhauer. Ou seja, os alemães influenciaram todo mundo!
E é claro que os alemães não ficariam para trás quando o assunto fosse as finanças. Os bancos alemães sempre foram potências. Vale lembrar que as viagens lusitanas para o além-mar eram financiadas em parte por banqueiros germânicos.
O Brasil, apesar de pouco sabido, teve uma forte relação comercial com a Alemanha desde a vinda da família real até a II Guerra Mundial. Depois da entrada do Brasil na II Guerra, quando os EUA convenceram Getúlio Varga$ a trocar de lado, todas as parcerias comerciais, tecnológicas, culturais e científicas foram interrompidas. Hoje fica claro que perdemos muito mais do que ganhamos.
A Europa está caótica. Muito em parte pela insensatez de seus governantes e, acima de tudo, de empresários inescrupulosos que jogaram com as bolsas de valores de forma irresponsável e ilegal (para este tema vale pedir na sua locadora o documentário - vencedor do Oscar 2011 - Trabalho Interno (Inside Job)).
Os alemães estão segurando as pontas, não se sabe até quando.
KF