quinta-feira, 24 de março de 2011

Fukushima: sobre chaleiras e samurais


O terremoto e o tsunami que atingiram o Japão racharam não só as paredes e estradas, mas também a imagem que tínhamos do Japão. Além disso, expôs novamente a fragilidade e os riscos que corremos com a insistência na produção de energia elétrica através de usinas nucleares.

O que já foi falado não adianta falar mais. Mas vamos a algumas perguntas que simplesmente não foram feitas pelos jornalistas, seja por incompetência, seja pela sempre sombria defesa de interesses de grandes grupos econômicos, esses que mandam em quase tudo (vide o documentário Trabalho Interno – ganhador do Oscar 2011), seja pela busca do sensacional, do dramático, do extraordinário.

A primeira pergunta que não quer calar é como foi permitida a construção de uma usina nuclear na beira do mar (praticamente na praia) em um país com uma frequência vertiginosa de tsunamis?

Se a grande questão das usinas atômicas é o seu resfriamento, como pode um país tão desenvolvido tecnologicamente não ter sistemas alternativos de proteção? Um, dois, três sistemas alternativos?! E se o terceiro falhar, um quarto deve existir, tal é o perigo que um acidente como esse oferece à população. E não estamos falando apenas do povo japonês. Chernobyl nos ensinou que a nuvem radioativa não respeita passaportes.

As chaleiras nucleares
Quem tem mais de 40 anos hoje, lembra-se com clareza de todo o embate entre os ecologistas (naquele tempo chamados de eco-chatos - hoje já não se vê quem tenha coragem de usar o adjetivo...) e a ditadura militar brasileira que insistia em construir um complexo de usinas nucleares no meio de um santuário natural, a hoje chamada Costa Verde, na região da cidade de Angra dos Reis.

Não só isso, a Usina ficaria praticamente equidistante das maiores cidades brasileiras.  Uma evacuação do Rio de Janeiro e São Paulo seria tarefa impossível.

Usina de Angra dos Reis
Venceu a força dos generais em prol do desenvolvimento do país. Com um nebuloso contrato com empresas alemãs, iniciou-se a construção de Angra I, II e III.

Para um país continental, cheio de rios e banhado de sol o ano inteiro, sempre foi curiosa a opção pelas usinas atômicas. Parecia que os militares, aparentemente complexados com nossa condição de país subdesenvolvido, recalcados pois tínhamos um território de grande nação mas um país que era visto pelo mundo apenas como produtor de bananas, talvez entendessem que possuir uma usina nuclear era um cartão de embarque para o primeiro mundo.

Quem foi menino nesta época certamente participou de uma visita guiada à usina, levados pela escola para conhecer a imponente estrutura de concreto na beira do mar, tendo a seu costado a mais bela e exuberante floresta tropical.

O centro de visitantes era praticamente um parque de diversões, com suas maquetes animadas e luzinhas que piscavam mostrando como a energia estava sendo produzida ali.

E qual não foi a grande surpresa do colunista ao descobrir, 30 anos depois, que durante todo este tempo teve um entendimento equivocado sobre como realmente funciona uma usina atômica.

Ao contrário do que imaginava, ou seja, que uma usina deste tipo fosse algo de última geração no que diz respeito a geração de energia, algo futurístico, algo dos livros de ficção-científica, onde a energia era gerada a partir da fissão nuclear, ou seja, de explosão de um átomo que geraria muito mais energia do que um colosso como Itaipu.

Qual não foi a surpresa ao descobrir que uma usina nuclear nada mais é que uma chaleira cara e perigosa.

Não, não era a explosão de prótrons que estava gerando uma energia inesgotável. Descobrimos com Fukushima que uma usina nuclear nada mais faz do que esquentar água!!!

Transformada em vapor e forçada através de dutos, é o nosso velho e bom H2O que gera a pressão que gira as turbinas. Ou seja, uma usina nuclear e uma Maria-Fumaça funcionam da mesma forma.

Mas alguns poderiam afirmar que uma usina atômica, no final das contas, seria mais ecológica pois não consome carvão, não enviando, assim, CO2 para a atmosfera.

O tema traz de volta outro assunto que foi muito falado na década de 1980 e que, aparentemente, caiu no esquecimento: o lixo atômico, ou em termos técnicos, o Resíduo Radioativo.

É como se ele não existisse, ou como se fingíssemos que ele não existe e que não estamos criando um gigantesco problema para as gerações futuras. Apenas para se ter uma idéia do que estamos falando, um dos resíduos é o Urânio-235, que leva, aproximadamente, 7 bilhões de anos para ser tornar inócuo.

Sim prezado leitor, você não leu errado, lê-se 7 bilhões de anos!!

Explosão em Fukushima
Banzai! Ou melhor, Água!

Outra novidade que o Tsunami trouxe às praias foi uma nova forma de vermos o povo japonês.

Um manto de solidariedade embaralhado com compaixão sempre cobriu o único povo bombardeado com um artefato atômico (que nos fez esquecer as atrocidades que os generais japoneses cometeram através dos tempos). Somávamos a isso um deslumbramento que tínhamos com a capacidade inventiva e tecnológica  que faziam deles a nação mais avançada. Ainda tínhamos a inabalável imagem criada pelos Kamikazes, uma imagem de povo tenaz, de povo comprometido com sua nação, de povo servil.

Assim forjou-se a imagem e o sentimento que temos com o Japão, do Japão.

Todas estas características trouxeram aquele país, menos de 60 anos depois do lançamento de Fat Man e Little Boy sobre Nagasaki e Hiroshima, à terceira economia mundial. O Japão hoje é rico e desenvolvido.

Mas como entender que na hora mais importante do país nada disso foi capaz de ajudar as vítimas do tsunami? Como explicar tamanha morosidade no envio de suporte às vítimas? Como entender que um país tão pequeno, menor que o estado de Minas Gerais, possa ter deixado faltar água para os moradores do que sobrou de Sendai, apenas 365 quilômetros distante da capital do país?!

Como entender a postura leniente, passiva, sem emoção do primeiro-ministro Naoto Kan? E como encontrar conforto na fala monótona e decorada do imperador Akihito?

Aliás, como sequer aceitar que o Japão insista em manter uma monarquia? E mais, que insista no ridículo de sustentar um posto de imperador quando o Japão já deixou de sê-lo há muito tempo. Se é que um dia foi de fato um império! Um país que tem sua fundação creditada ao ano de 660 AC. Um país que tem 2671 anos de tradição sob uma mesma bandeira.

Nada disso, absolutamente nada disso, nenhum intrépido aviador, nenhum gênio da computação, nenhum robô de ultíssima geração foi capaz de levar um copo d’água para Sendai.

Por que se explicar

O genial  compositor brasileiro Renato Russo, que fez história na banda Legião Urbana, certa vez compôs uma canção chamada Angra dos Reis. O terceiro estrofe era certeiro, destruindo em poucas linhas tudo o que havia sido dito sobre a segurança de Angra I.
Protestos contra a usina de Three Mile Island, EUA.

Vamos brincar perto da usina
Deixa pra lá
A Angra é dos Reis
Por que se explicar
Se não existe perigo...

Assim como nas guerras, quando a primeira vítima a cair é a verdade, também em acidentes nucleares dá-se o mesmo. Seja em Three Mile Island, Chernobyl ou Fukushima, nunca saberemos o que realmente ocorreu.

Mas há uma novidade que vem fazendo a diferença, tanto nas manifestações no mundo árabe, ou iraniano, como nas tragédias naturais (ou não). Um aparelho justamente aperfeiçoado pelo japoneses: as câmeras de vídeo.

Não se tem notícia de um episódio catastrófico tão bem documentado em imagens. Uma das ondas que atingiram a  costa  japonesa chegou a ser assistida ao vivo pelo mundo.

E foi justamente uma dessas câmeras que captou a primeira explosão em Fukushima. Uma senhora explosão! Uma explosão que lançou um cogumelo de fumaça sobre o complexo de usinas atômicas de Fukushima e que deve ter arrepiado aqueles mais velhos que viram com os próprios olhos o clarão atômico que encerrou a II Guerra Mundial.

Mas qual não foi a cara-de-pau dos governantes daquele país ao negarem sistematicamente que a situação não era emergencial e que tudo ficaria sob controle. Como acreditar que estava tudo bem diante de uma explosão daquela magnitude? E ainda por cima em uma usina nuclear?

Pobre povo japonês que ao longo dos séculos de sua trajetória aprendeu a confiar em seus líderes justamente porque demonstravam bravura, caráter e, acima de tudo, honra.

O tempo dos samurais já vai longe enterrado.

Existem hoje 441 reatores nucleares em operação em 31 países.




Addendum: Quem sabe com esse susto, os japoneses, com suas mentes criativas e inovadoras, comecem a investir na geração de energia limpa. Se já foi dito a você que a energia solar não é viável, quem diz provavelmente está sendo pago pela indústria do petróleo ou é um acionista direto desta indústria ultrapassada que se nega a morrer. O Sol irradia anualmente o equivalente a 10.000 vezes a energia consumida pela população mundial neste mesmo período. A Terra recebe mais de 1.500 quatrilhões de quilowatts-hora de potência por ano. É por essas e outras que o Pré-Sal não me seduz.