sexta-feira, 19 de outubro de 2012

PODEROSA AVENIDA BRASIL



 Avenida Brasil vai parar o Brasil hoje a noite.

Desde Vale Tudo, novela de Gilberto Braga, Aguinaldo Silva e Leonor Bassères, que parou a nação com seu mistério sobre a morte de Odete Roitman, que não via nada igual na televisão.

O último capítulo de Vale Tudo chegou à estonteantes 94 pontos de audiência.

Avenida Brasil começou com o público cativo da Novela das Oito (que a Globo tenta há tempos, em vão, que as pessoas se acostumem a chamar de Novela das Nove...), além dos que apreciam o trabalho do roteirista João Emanuel Carneiro. Mas de repente algo mudou e todos começaram a prestar atenção. Os motivos são vários.

Um novo autor
Emanuel escreveu seu nome no rol da fama dos grandes novelistas brasileiros não só por sua pouca idade (hoje tem apenas 42 anos), mas pelo estilo. O autor gosta de brincar com a cabeça dos telespectadores, levando-os em diferentes direções, manipulando, no bom sentido, a opinião pública. Foi assim com A Favorita, e confirmou-se como estilo em Avenida Brasil.

Em uma novela de João Emanuel Carneiro, um não deve formar sua opinião sobre as coisas - sobre as pessoas - tão cedo, pois no final você pode se deparar com seus próprios preconceitos e padrões de moral que talvez não sejam de conhecimento de você mesmo. Essa é a grande sacação.

O colunista faz parte de um grandessíssimo contingente de espectadores que voltou a assistir novela, ou, talvez melhor colocado, que voltou para assistir a novela Avenida Brasil.

A primeira característica de Avenida Brasil que chamou a atenção do colunista não foi algo que geralmente seja um elemento primordial em telenovelas: a fotografia.

Com um ritmo de produção industrial, os diretores não têm o tempo de trabalhar com mais cuidado a fotografia das cenas em uma novela. Entendendo fotografia não só a paisagem bonita por trás dos atores, mas sim o enquadramento, o posicionamento da câmera e os elementos dos planos, ou seja, o que se vê em primeiro plano (perto da lente), no plano médio e no plano de fundo. Elementos fundamentais para a composição de uma cena feita para ser captada através de uma lente.

E falando em lentes, este foi outro diferencial de Avenida Brasil. Câmeras de altíssima definição já são um padrão na Globo há cerca de 5 anos. Novelas com cara de cinema são hoje uma realidade. Primeiro as novas câmeras foram testadas com mais liberdade nas novelas da 18 horas, onde a menor pressão por audiência sempre permite ousadias maiores. Mas foi a decisão dos diretores por uma mudança técnica, principalmente da jovem diretora Amora Mautner, que fez de Avenida Brasil também um deleite para os olhos.

Filmando com as poderosas (e caríssimas) câmeras Ikegamis, o grande jogada dos diretores foi optar pelas lentes fixas, que geram uma outra textura para a imagem e, acima de tudo, uma profundidade de campo diferenciada.

Para que os leitores pouco acostumados com esta linguagem técnica, vale uma breve explicação. Existem basicamente dois tipos de lente: a zoom e a fixa.

A lente zoom é como se fosse uma série de lentes em uma só. Um lente é definida por sua distância focal. Então temos lentes 50mm, 28mm, 150, 300, 75, e por aí vai.

Mas para conseguir colocar tantas variações em uma mesma lente, algo se perde. Normalmente perde-se em abertura de diafragma (o quanto de luz uma lente é capaz de capturar) e profundidade de foco.

Resumindo, lentes Zoom acabam pasteurizando a imagem e deixando tudo igual.

Já uma lente fixa, além de ser uma lente mais clara e que deixa a imagem mais cristalina, tem uma profundidade de campo mais curta, ou seja, consegue-se o efeito de desfoque do fundo, que destaca ainda mais o que está em foco.

Os diretores de Avenida Brasil decidiram pelas lentes fixas, algo que não havia sido feito antes por um motivo simples: praticidade.

Com a lente zoom você pode mudar o enquadramento com um simples girar da lente. Para fazer o mesmo com uma lente fixa é preciso trocar de lente ou, mais complicado ainda, transportar todo o conjunto de câmera, tripé e acessórios para um ponto mais próximo ou mais distante do objeto filmado. Para uma produção de uma novela, com o ritmo frenético de gravações, isso seria algo impensável.

Até Avenida Brasil...

A opção pelas lentes fixas trouxe uma imagem cinematográfica para o gênero telenovela.

E assim que o colunista foi, como se costuma dizer, fisgado. Ao assistir um trecho da novela, já em sua metade, o colunista pensou: “há algo de diferente nesta novela!”.

A história em primeiro lugar
E depois veio a história. Um texto muito bem escrito, leve, fluído e, acima de tudo, novamente encenado por atores (e não por modelos).

Murilo Benício, Adriana Esteves, Alexandre Borges e Débora falabella são figurinhas fáceis, cartas marcadas. Mas como desconfiar de uma novela que tem em seu elenco Vera Holtz e Marcos Caruso?

Caruso apesar de veteraníssimo, atuando em telenovelas desde 1978, sempre foi mal aproveitado em papéis menores. Avenida Brasil libertou este talentoso profissional. Leleco ainda será lembrado por muito tempo.

Os nomes dos personagens é outro trunfo de Avenida Brasil. João Emanuel e sua equipe devem ter dado boas risadas enquanto escolhiam os nomes de cada um.

Avenida Brasil é um prato cheio: Leleco, Muricy, Ivana, Olenka, Nilo, Lucinda, Monalisa, Cadinho, Alexia, Silas, Maxuel, Diógenes, Dolores/Soninha Catatau, Tessália, Betânia, Adauto, Beverly, Ágata, Begônia, Genésio, e sem esquecer de Zezé e Jimmy. E é claro: Tufão e Suelen. Mas como não colocar nas alturas o melhor de todos: Darkson!!!

A atriz veterada e a atriz novata (e o ator durão)
Claro que o trono está reservado para ela, Carmem Lúcia. Nome composto que toda grande vilã merece ter.

Tudo já foi falado sobre Adriana Esteves. Mas não cabe qualquer contestação quando o próprio autor se refere a ela como a alma de toda a história. João Emmanuel disse recentemente que, apesar de Adriana não ter sido a primeira escolha para o papel, a novela não teria sido o que foi sem a interpretação dada pela atriz à vilã Carminha.

Falando em atrizes, João Emmanuel parece ter dado outra demonstração de seu talento e sofisticação, além do domínio da trama, em uma jogada pouco comentada entre durante estes últimos dias: a exclusão da jovem atriz Ana Karolina, que interpreta Ágata, das cenas mais fortes no fim da novela.

Com momentos onde os temas assassinato, traição, vingança, e todo o baú de tópicos pesadíssimos vindo à tona, Emanuel achou melhor deixar Ágata (e consequentemente a jovem atriz) fora desta pressão. Arrumou uma viagem de férias para Miami, deixando a pancadaria apenas para maiores de 18 anos. Ponto para o autor! Sutil e elegante.

A dramaturgia de Avenida Brasil é tão poderosa que mesmo um ator de atuação mais enferrujada como é Juca de Oliveira, com um estilo duro demais para a televisão, tem todo o seu potencial de interpretação libertado pelos diretores. Não se enganem, Avenida Brasil é o que é pois tem não só um autor fora de série, mas uma equipe de diretores ousados e comprometidos com uma nova teledramaturgia.

Congelando
E para acabar de completar, a trilha sonora. Mas antes vale um comentário. Durante os últimos anos houve um entendimento do setor comercial da TV Globo de que uma novela era essencialmente um produto comercial, focado em gerar lucro para a empresa. O lado artístico, teatral, lúdico, acabou sendo deixado de lado.

A Novela das Oito é o carro chefe da emissora. Simplesmente não pode dar errado, o fracasso significa colocar em risco toda a estrutura da emissora.

Até aí compreensível.

Sem margem de inovação e campo para experimentar, as novelas desta faixa de horário foram ficando todas iguais. Rostos bonitos foram priorizados. Avenida Brasil mudou tudo isso (sem abrir mão da beleza, que é fundamental...).

Mas voltando ao assunto musical, as novelas tinham se transformado em uma plataforma de venda não só dos intervalos comerciais, mas de toda uma gama de produtos, entre eles, a trilha sonora. Com toda novela vem junto um pacote fonográfico das trilhas nacional e internacional.

Mas chamou a atenção em Avenida Brasil a trilha sonora orquestral, cinematográfica, ampliando ainda mais o clima de tensão. Hoje não há quem não saiba quando a novela vai acabar. Uma assinatura sonora que vai acelerando até o congelamento em preto e branco da expressão facial do ator ou atriz que arma o gancho para o próximo capítulo, no que podemos chamar de uma renovação sofisticada do hoje descartado cenas dos próximos capítulos.

João Emanuel prova que é possível a convivência de talento artístico e retorno financeiro. A revista Forbes recentemente classificou a novela Avenida Brasil como a mais bem sucedida de toda a história da TV Globo, tendo faturado 1 bilhão de reais em anúncios (uma novela custa em média 45 milhões de reais).

Deixar para o último capítulo a revelação do assassino não é nenhuma inovação. Salomão Ayala, da novela o Astro(1977/78), de Janete Claire, ou a já citada Odete Rotiman estão aí para registro, mas Avenida Brasil trouxe algo de novo além dos milhares de espectadores que tinham desistido do gênero.

Glória Perez tem um baita desafio pela frente com seu Salve Jorge!





KF



ps – Chute do colunista: Santiago atira e mata Carminha. Antes de morrer, nos braços de sua rival Nina, a perdoa e pede perdão. Redenção final. A conferir...