Avenida Brasil vai parar o Brasil hoje a noite.
Desde
Vale Tudo, novela de Gilberto Braga, Aguinaldo Silva e Leonor
Bassères, que parou a nação com seu mistério sobre a morte de
Odete Roitman, que não via nada igual na televisão.
O último
capítulo de Vale Tudo chegou à estonteantes 94 pontos de audiência.
Avenida
Brasil começou com o público cativo da Novela das Oito (que a Globo
tenta há tempos, em vão, que as pessoas se acostumem a chamar de
Novela das Nove...), além dos que apreciam o trabalho do roteirista
João Emanuel Carneiro. Mas de repente algo mudou e todos começaram
a prestar atenção. Os motivos são vários.
Um
novo autor
Emanuel
escreveu seu nome no rol da fama dos grandes novelistas brasileiros
não só por sua pouca idade (hoje tem apenas 42 anos), mas pelo
estilo. O autor gosta de brincar com a cabeça dos telespectadores,
levando-os em diferentes direções, manipulando, no bom sentido, a
opinião pública. Foi assim com A Favorita, e confirmou-se como
estilo em Avenida Brasil.
Em uma
novela de João Emanuel Carneiro, um não deve formar sua opinião
sobre as coisas - sobre as pessoas - tão cedo, pois no final você
pode se deparar com seus próprios preconceitos e padrões de moral
que talvez não sejam de conhecimento de você mesmo. Essa é a
grande sacação.
O
colunista faz parte de um grandessíssimo contingente de espectadores
que voltou a assistir novela, ou, talvez melhor colocado, que voltou
para assistir a novela Avenida Brasil.
A
primeira característica de Avenida Brasil que chamou a atenção do
colunista não foi algo que geralmente seja um elemento primordial em
telenovelas: a fotografia.
Com um
ritmo de produção industrial, os diretores não têm o tempo de
trabalhar com mais cuidado a fotografia das cenas em uma novela.
Entendendo fotografia não só a paisagem bonita por trás dos
atores, mas sim o enquadramento, o posicionamento da câmera e os
elementos dos planos, ou seja, o que se vê em primeiro plano (perto
da lente), no plano médio e no plano de fundo. Elementos
fundamentais para a composição de uma cena feita para ser captada
através de uma lente.
E falando
em lentes, este foi outro diferencial de Avenida Brasil. Câmeras de
altíssima definição já são um padrão na Globo há cerca de 5
anos. Novelas com cara de cinema são hoje uma realidade. Primeiro as
novas câmeras foram testadas com mais liberdade nas novelas da 18
horas, onde a menor pressão por audiência sempre permite ousadias
maiores. Mas foi a decisão dos diretores por uma mudança técnica,
principalmente da jovem diretora Amora Mautner, que fez de Avenida
Brasil também um deleite para os olhos.
Filmando
com as poderosas (e caríssimas) câmeras Ikegamis, o grande jogada
dos diretores foi optar pelas lentes fixas, que geram uma outra
textura para a imagem e, acima de tudo, uma profundidade de campo
diferenciada.
Para que os leitores pouco acostumados com esta linguagem técnica, vale uma breve explicação. Existem basicamente dois tipos de lente: a zoom e a fixa.
A lente
zoom é como se fosse uma série de lentes em uma só. Um lente é
definida por sua distância focal. Então temos lentes 50mm, 28mm,
150, 300, 75, e por aí vai.
Mas para
conseguir colocar tantas variações em uma mesma lente, algo se
perde. Normalmente perde-se em abertura de diafragma (o quanto de luz
uma lente é capaz de capturar) e profundidade de foco.
Resumindo,
lentes Zoom acabam pasteurizando a imagem e deixando tudo igual.
Já uma
lente fixa, além de ser uma lente mais clara e que deixa a imagem
mais cristalina, tem uma profundidade de campo mais curta, ou seja,
consegue-se o efeito de desfoque do fundo, que destaca ainda mais o
que está em foco.
Os
diretores de Avenida Brasil decidiram pelas lentes fixas, algo que
não havia sido feito antes por um motivo simples: praticidade.
Com a lente zoom você pode mudar o enquadramento com um simples girar da lente. Para fazer o mesmo com uma lente fixa é preciso trocar de lente ou, mais complicado ainda, transportar todo o conjunto de câmera, tripé e acessórios para um ponto mais próximo ou mais distante do objeto filmado. Para uma produção de uma novela, com o ritmo frenético de gravações, isso seria algo impensável.
Até
Avenida Brasil...
A opção
pelas lentes fixas trouxe uma imagem cinematográfica para o gênero
telenovela.
E assim
que o colunista foi, como se costuma dizer, fisgado. Ao assistir um
trecho da novela, já em sua metade, o colunista pensou: “há algo
de diferente nesta novela!”.
A
história em primeiro lugar
E depois
veio a história. Um texto muito bem escrito, leve, fluído e, acima
de tudo, novamente encenado por atores (e não por modelos).
Murilo
Benício, Adriana Esteves, Alexandre Borges e Débora falabella são
figurinhas fáceis, cartas marcadas. Mas como desconfiar de uma
novela que tem em seu elenco Vera Holtz e Marcos Caruso?
Caruso
apesar de veteraníssimo, atuando em telenovelas desde 1978, sempre
foi mal aproveitado em papéis menores. Avenida Brasil libertou este
talentoso profissional. Leleco ainda será lembrado por muito tempo.
Os nomes
dos personagens é outro trunfo de Avenida Brasil. João Emanuel e
sua equipe devem ter dado boas risadas enquanto escolhiam os nomes de
cada um.
Avenida
Brasil é um prato cheio: Leleco, Muricy, Ivana, Olenka, Nilo,
Lucinda, Monalisa, Cadinho, Alexia, Silas, Maxuel, Diógenes,
Dolores/Soninha Catatau, Tessália, Betânia, Adauto, Beverly, Ágata,
Begônia, Genésio, e sem esquecer de Zezé e Jimmy. E é claro:
Tufão e Suelen. Mas como não colocar nas alturas o melhor de todos:
Darkson!!!
A
atriz veterada e a atriz novata (e o ator durão)
Claro que
o trono está reservado para ela, Carmem Lúcia. Nome composto que
toda grande vilã merece ter.
Tudo já
foi falado sobre Adriana Esteves. Mas não cabe qualquer contestação
quando o próprio autor se refere a ela como a alma de toda a
história. João Emmanuel disse recentemente que, apesar de Adriana
não ter sido a primeira escolha para o papel, a novela não teria
sido o que foi sem a interpretação dada pela atriz à vilã
Carminha.
Falando
em atrizes, João Emmanuel parece ter dado outra demonstração de
seu talento e sofisticação, além do domínio da trama, em uma
jogada pouco comentada entre durante estes últimos dias: a exclusão
da jovem atriz Ana Karolina, que interpreta Ágata, das cenas mais
fortes no fim da novela.
Com
momentos onde os temas assassinato, traição, vingança, e todo o
baú de tópicos pesadíssimos vindo à tona, Emanuel achou melhor
deixar Ágata (e consequentemente a jovem atriz) fora desta pressão.
Arrumou uma viagem de férias para Miami, deixando a pancadaria
apenas para maiores de 18 anos. Ponto para o autor! Sutil e elegante.
A
dramaturgia de Avenida Brasil é tão poderosa que mesmo um ator de
atuação mais enferrujada como é Juca de Oliveira, com um estilo
duro demais para a televisão, tem todo o seu potencial de
interpretação libertado pelos diretores. Não se enganem, Avenida
Brasil é o que é pois tem não só um autor fora de série, mas uma
equipe de diretores ousados e comprometidos com uma nova
teledramaturgia.
Congelando
E para
acabar de completar, a trilha sonora. Mas antes vale um comentário.
Durante os últimos anos houve um entendimento do setor comercial da
TV Globo de que uma novela era essencialmente um produto comercial,
focado em gerar lucro para a empresa. O lado artístico, teatral,
lúdico, acabou sendo deixado de lado.
A Novela
das Oito é o carro chefe da emissora. Simplesmente não pode dar
errado, o fracasso significa colocar em risco toda a estrutura da
emissora.
Até aí
compreensível.
Sem
margem de inovação e campo para experimentar, as novelas desta
faixa de horário foram ficando todas iguais. Rostos bonitos foram
priorizados. Avenida Brasil mudou tudo isso (sem abrir mão da
beleza, que é fundamental...).
Mas
voltando ao assunto musical, as novelas tinham se transformado em uma
plataforma de venda não só dos intervalos comerciais, mas de toda
uma gama de produtos, entre eles, a trilha sonora. Com toda novela
vem junto um pacote fonográfico das trilhas nacional e
internacional.
Mas
chamou a atenção em Avenida Brasil a trilha sonora orquestral,
cinematográfica, ampliando ainda mais o clima de tensão. Hoje não
há quem não saiba quando a novela vai acabar. Uma assinatura sonora
que vai acelerando até o congelamento em preto e branco da expressão
facial do ator ou atriz que arma o gancho para o próximo capítulo,
no que podemos chamar de uma renovação sofisticada do hoje
descartado cenas dos próximos capítulos.
João
Emanuel prova que é possível a convivência de talento artístico e
retorno financeiro. A revista Forbes recentemente classificou a
novela Avenida Brasil como a mais bem sucedida de toda a história da
TV Globo, tendo faturado 1 bilhão de reais em anúncios (uma novela
custa em média 45 milhões de reais).
Deixar
para o último capítulo a revelação do assassino não é nenhuma
inovação. Salomão Ayala, da novela o Astro(1977/78), de Janete
Claire, ou a já citada Odete Rotiman estão aí para registro, mas
Avenida Brasil trouxe algo de novo além dos milhares de espectadores
que tinham desistido do gênero.
Glória Perez tem um baita desafio pela frente com seu Salve Jorge!
KF
ps –
Chute do colunista: Santiago atira e mata Carminha. Antes de morrer,
nos braços de sua rival Nina, a perdoa e pede perdão. Redenção
final. A conferir...
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