Bolt! |
Ao longo de todo o primeiro
semestre, a Rede Globo deu a entender que simplesmente ignoraria os jogos de
Londres. O impacto poderia ser quase nenhum se não fosse a emissora a detentora
de mais de 70% da audiência nacional e, acima de tudo, sendo o veículo de
comunicação que influencia a cobertura do jornalismo que se faz no Brasil.
A transmissão foi perdida para a TV
do bispo Edir Macedo, que em uma ousada(ilegal?) jogada, a arrematou por 60 milhões de dólares.
A Globo havia oferecido metade.
Segundo o diretor-geral da Rede
Globo, Octavio Florisbal, o valor deveria ser esse mesmo, cerca de U$30
milhões. “Nós tínhamos uma visão de que
os Jogos Olímpicos de 2012 deviam valer entre US$ 25 milhões e US$ 30 milhões.
Porque a anterior se tinha pago US$ 15 milhões. E foi essa oferta que fizemos,
dentro da realidade de mercado. Nós vivemos de audiência e publicidade. Se
passar daqui, vai dar prejuízo. Até onde eu quero ir com este prejuízo?",
declarou em entrevista ao colega Maurício Stycer, do UOL.
A ausência da Globo nas
transmissões gerou uma consequência clara e preocupante. Sem ela, o evento
pareceu, por algum tempo, que sequer existia.
E essa consequência, que é muito
mais preocupante do que saber a origem do dinheiro pago pela Record, é
constatar que uma nação de 200 milhões de habitantes forma sua opinião a partir
de um único veículo de comunicação.
O mesmo já havia acontecido em
2011, quando ignoramos por completo a realização dos Jogos Panamericanos, sediados
na cidade mexicana de Guadalajara. A transmissão do Pan 2011 também tinha sido
arrematada pela Record.
Mas será?
Desde que a data dos jogos se
tornou visível no horizonte, o colunista ficou na expectativa de como seria a
cobertura da Globo em relação as Olimpíadas. Ter ignorado o Pan 2011 era uma
coisa, agora em uma
Olimpíada , o buraco seria mais embaixo.
Mas não houve um segundo sequer
no Jornal Nacional, Jornal da Globo, Jornal Hoje... Nada, absolutamente nada. O
jornalismo da emissora chegou a cobrir ostensivamente as Olimpíadas Escolares,
sem dar uma nota sobre a preparação de nossos atletas olímpicos, que nada
tinham a ver com a briga entre a Globo e a Record.
Arthur Zanetti nas argolas. |
Talvez com uma cobertura digna,
tivéssemos sabido que um certo paulista de São Caetano do Sul, de nome Arthur
Zanetti, vinha se preparando forte nas argolas...
O silêncio da Globo em relação
aos jogos chegou muito próximo de um boicote. Mas alguma mente sensata na
diretoria da Globo deve ter peitado: “temos que cobrir os jogos!!!”.
Mas isso só ocorreu quando já era
tarde demais.
A emissora ainda teve a empáfia
de se apresentar como vítima, se dizendo excluída e citando as regras do COI
para justificar sua pobre cobertura. Ainda popularizou um novo adjetivo: não-detentora.
Um comunicado foi publicado em
sua página institucional:
“A
cobertura jornalística da Rede Globo dos Jogos Olímpicos 2012 seguirá dois
princípios de que não pode abrir mão: informar os seus telespectadores e respeitar
acordos sobre direitos esportivos.
Para isso, a emissora comprou da Olympic
Broadcast Services o acesso às imagens dos Jogos Olímpicos vendido a não
detentores dos direitos de transmissão que aceitam as regras do COI (Comitê
Olímpico Internacional) para a utilização jornalística em suas coberturas do
evento.
(...)*
Seguindo a experiência internacional, e sem
ferir as regras do COI, fotos serão utilizadas sempre que imagens de um evento
não puderem ser exibidas.
São restrições importantes do COI que a TV
Globo acata num esforço para bem informar os seus telespectadores. Como
acontece em todo o mundo com os não detentores de direitos de transmissão, o
respeito a essas regras implicará, naturalmente, uma cobertura mais limitada do
que a que realizamos nos últimos anos, mas suficiente para divulgar as
principais notícias sobre os Jogos Olímpicos”.
Vejamos como se posicionam. Dizem
que não podem abrir mão de informar seus telespectadores. Se expõe sujeitos a
fortes restrições e se colocam como limitados para apresentar uma melhor
cobertura.
Mas fica a pergunta. Se pretendiam
cobrir as Olimpíadas, mesmo amarrados pelas regras do COI, porque não cobriram,
ao longo do primeiro semestre, a preparação de nossos atletas? Quem eram? De
que cidades vinham? Que modalidades competiríamos? Não creio que essa restrição
estivesse prevista nas regras do COI...
Será que Teresina era tão longe
assim para contar a história da judoca Sarah Menezes, primeiro ouro do Brasil
em Londres, primeiro ouro da história no judô feminino?
Cínica, a emissora carioca se fez
de morta.
Como pôde ignorar um evento dessa
magnitude? Duzentas e quatro bandeiras nacionais estavam representadas nos
jogos, isso mesmo, 204 nações. Que traz aliás uma curiosidade, a ONU só
reconhece 193 nações soberanas. Então o COI é ainda mais generoso, mais plural,
mais diverso do que as Nações Unidas.
Ao todo foram 10.820 atletas
reunidos em 302 eventos esportivos cobrindo 26 modalidades. A maior delegação,
naturalmente, foi a da Inglaterra, que por ser a dona da casa tem o direito de
inscrever atletas e equipes em todas as categorias sem a necessidade de participar
das classificatórias (o Brasil terá o mesmo direito em 2016). Os britânicos
chegaram com 541 atletas, os EUA com 530, e o Brasil com 258. Mas também
estavam lá o Timor Leste, a Guiné Equatorial e a República de Nauru, uma ilhota
no Pacífico Sul, com dois atletas cada.
Medalhas, fama e dinheiro
Outra curiosidade desta
Olímpiada, que a restrita cobertura também não mostrou, foi a grande polêmica em
torno dos atletas mercenários, como foram chamados por parte da imprensa
britânica.
Em pauta estava o que eles
batizaram de Plastic Brits, ou em tradução direta, os Britânicos de Plástico.
Uma referência aos atletas profissionais de outras nações que se naturalizaram
ingleses em troca de benefícios financeiros.
De fato houve um investimento
bilionário na formação dos atletas locais, ao todo 300 milhões de libras, cerca
de 1 bilhão de reais . E o resultado foi colhido no quadro de medalhas. Das 19
medalhas de ouro ganhas em Pequin, os ingleses arremataram desta vez 29. Fica a
dica.
Mas também é fato que cerca de um
terço das 65 medalhas conquistadas, incluindo prata e bronze, foram ganhas por
atletas imigrados, sendo a grande estrela desta constelação o somali Mohamed
“Mo” Farah, ouro nos 10 e 5 mil metros. Junto a ele enfileiram-se o belga Bradley
Wiggins, ouro no ciclismo; a alemã Laura Bechtolsheimer, ouro no hipismo, entre
outros que ajudaram a dourar o quadro de medalhas inglês. Até um brasileiro
estava neste time de súditos da rainha. O carioca Mark Plotyczer, que apesar do
nome, é filho legítimo de Copacabana. Mark defendeu as cores ingleses no vôlei
de quadra.
Durante o farto debate na
imprensa britânica, o COI se declarou impotente para interferir em assuntos de
soberania, mas deixou clara a sua insatisfação com a migração de atletas tendo
como pano de fundo a motivação financeira (obs: Mo Farah não se enquadra neste
cenário. O somali é considerado um refugiado).
Aliás não só a Somália vem
oferecendo ao mundo exímios corredores, como vários outros países africanos.
Algo que talvez os estudos da genética deva se debruçar um pouco.
Os africanos há décadas dominam
todas as provas de média e longa distância. Em Londres, além de Mo Farah, o
queniano Wilson Kipsang venceu a maratona, tendo em sua cola o compatriota
Martin Lel e o etíope Tsegaye Kebede. No final, uma olimpíada é um misto de
competições que misturam força muscular, técnica, pontaria e resistência. Ou
seja, tem lugar pra todo mundo, dos magrinhos corredores aos super-pesados do
judô. O que é bom.
O cabelinho escovinha não esconde as origens de Wang (de costas) |
Mas este novo cenário não é
exclusivo dos ingleses. Estas repatriações, seja de que origem e com qual
interesse, já mostra um mundo diferente. Vejamos o brasileiro Hugo Hoyama,
super-campeão do tênis de mesa, brasileiríssimo de São Bernardo do Campo, mas
cujo sobrenome não esconde as origens. Hoyama perdeu para o Polonês Wang
Zengyl. Um polonês falsificado. Chinês que era...
O mundo está mudando, e não é a
economia.
Simona neles!
E no mais foi isso. A Jamaica,
que competiu apenas com jamaicanos, deixou de ser a terra de Bob (Marley) e
passou a ser a terra de Bolt (Usain). Aliás, o atleta da Jamaica fez um curioso
gesto ao final da sua vitória nos 100 metros rasos. Com o dedo indicador nos
lábios, mandou o mundo ficar calado.
Com quem falava Bolt? Com aqueles
que previram o seu fracasso em Londres? Riu por último, afinal são jogos
Olímpicos, e não de adivinhação...
E o Brasil não fez feio. Mas
também não fez bonito. Como uma nação que sediará os próximos jogos, nosso país
já deveria estar investindo muito na formação de novos atletas, ou no aperfeiçoamento
dos que têm idade para chegar em forma competitiva em 2016. O que vimos até
agora foi um aquecido mercado da construção civil.
Ao longo de toda a trajetória
olímpica, o Brasil já ganhou 108 medalhas, sendo 23 de ouro, 30 de prata e 55
de bronze. Nosso irmão do norte, os EUA, nos deixa em uma situação muito
constrangedora. São 2406 medalhas, sendo 976 só de ouro.
Há muito trabalho pela frente.
Mas nem tudo são dores
(musculares ou não). Há que se tirar o chapéu para a equipe responsável pela
participação brasileira na Cerimônia de Encerramento. Que coisa linda aquilo. E
que medo estava o colunista, minutos antes de nossa emtrada em cena, que
aparecessem mulatas, araras e índios pintados de urucum.
O show foi perfeito e de um bom
gosto irretocável, e ousadia pouco vista. Alguém esperava o excelente - porém
desconhecidíssimo do grande público - B Negão? Um dos fundadores do Planet Hemp
(que lançaria também o cantor Marcelo D2), B Negão cantou Maracatu Atômico na
versão de Chico Science & Nação Zumbi. Ousadia sobre ousadia!
Isso sem falar no início triunfal
do gari Sorriso. Quem um dia apostaria que um funcionário da empresa de limpeza
urbana do Rio de Janeiro representaria a nossa nação aos olhos do mundo? Quem?!
E que descontração! Sorriso estava em casa!
Mas a surpresa máxima estaria
reservada para o final. Seu Jorge, esse sim super conhecido internacionalmente,
o filho do município fluminense de Belford Roxo, entrou cantando, no mais
elegante conjuntinho de Malandro, nada mais, nada menos que ele, Wilson
Simonal!!! Quem apostaria nesta volta triunfal do extraordinário Simona? Que do
céu devia estar falando: agora só esse lado cantando... Só as mulheres... Agora
todo mundo: meu limão, meu limoeiro...
KF
em tempo:
·
pelo apurado até agora, a transmissão das
olimpíadas foi um péssimo negócio para a Record. A emissora ficou em terceiro
lugar e bem abaixo dos índices de audiência de Pequin 2008. Pelas ruas onde
andou o colunista, todos os televisores estavam sintonizados no... SporTv!
·
As Paraolimpíadas, que agora estão sendo
chamadas de Paralimpíadas, começam no dia 29 de agosto. É imperdível, isso sim
pode ser chamado de superação. O colunista não sabe dizer quem vai
transmitir...
·
Fechando: a cobertura da Record pode ser
simbolizada pela gafe da experiente jornalista Ana Paula Padrão. Mesmo estando
já há 3 anos na Record, foi capaz de chamar, ao vivo, o Jornal da Record de
Jornal da Globo (clique e confira...).
·
Como
diria o Simonal: Nem vem de garfo que hoje é dia de sopa!
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