quarta-feira, 16 de setembro de 2009

Rio 2016: Eu não quero!

Faltam pouco menos de 30 dias para que o Comitê Olímpico Internacional (COI) anuncie a sede das olimpíadas de 2016.
E o colunista não tem como esconder: está torcendo fervorosamente por Tóquio, Chicago e Madrid, as outras três cidades concorrentes.

Peço ao leitor mais ufanista que guarde as pedras, por enquanto, e deixe a coluna fluir um pouco mais para que possamos apresentar os argumentos, e não parecer que estamos aqui apenas para desconsiderar a pátria amada.

Ao longo dos últimos meses uma forte propaganda, paga com dinheiro público, vem alardeando que o povo brasileiro, e principalmente o carioca, quer muito que a cidade ganhe a concorrência internacional. Placas com a frase “RIO 2016, EU QUERO!” foram colocadas em vários locais da cidade (principalmente no trajeto percorrido pela equipe de avaliação internacional), dando a impressão de que o apoio é amplo, geral e irrestrito.

Uma lista de assinaturas também foi recolhida e entregue ao COI, tentando comprovar o endosso da população. Não sei se o leitor assinou, mas um pouco mais de informação sempre é bem-vinda em situações como essa. Sem esclarecimento, podemos sempre ser induzidos ao erro.

Para produzir este texto, o colunista entrevistou um advogado especializado em marketing esportivo internacional.


COPA VERSUS OLIMPÍADAS

Primeiro precisamos estabelecer as diferenças. Apesar de serem grandes eventos esportivos, uma Copa do Mundo não tem nada a ver com uma Olimpíada. Pelo porte, tendemos a achar que ambos são acontecimentos organizados pelo Estado, visto que países estão representados, bandeiras são içadas e hinos cantarolados. Mas não é bem assim.

Vejamos, por exemplo, a Confederação Brasileira de Futebol. Imagino que muitos pensem se tratar de uma autarquia federal, ou algum órgão ligado ao Ministério dos Esportes. Doce engano. A CBF nada mais é do que uma empresa privada, um empreendimento que vende um serviço de entretenimento: uma partida de futebol. A CBF administra um negócio voltado ao lucro. Esse entendimento é fundamental.

Já uma Olimpíada é um projeto de Estado. Um projeto político que busca com a realização dos jogos ampliar o prestígio, a influência no cenário internacional e mostrar a capacidade de realização de uma administração.

Internamente, no Brasil, a Olimpíada vem sendo apresentada à população como um projeto que trará o desenvolvimento, a melhoria da qualidade de vida, investimentos, empregos, etc etc etc. Faz-se da Olimpíada um episódio alavancador de melhorias sociais. Somos levados a crer que precisamos dela para evoluir e nos modernizarmos. Como se não fossemos capaz de obter os mesmos feitos sem a realização dos jogos.

(O esporte? Bem o esporte me parece que fica em segundo plano neste momento...)


A SOMBRA ESCURA DO PAN

Durante muito tempo pensei que, visto a ferrenha disputa entre cidades mundo afora, receber uma Olimpíada fosse um grande negócio. Imaginava haver um fundo internacional que seria liberado à cidade vencedora para que pudesse preparar os jogos. Mas isso simplesmente não acontece.

Cabe ao país sede bancar integralmente os custos de construção dos equipamentos olímpicos, alojamentos dos atletas, e tudo o mais necessário para a realização dos jogos. Sim, há patrocinadores, direitos televisivos e uma verba da COI, mas esse total não costuma chegar a 10% do valor total dos investimentos indispensáveis a uma Olimpíada, principalmente em países como o Brasil, que precisam de um forte investimento em infra-estrutura. Uma coisa é uma olimpíada em Sidney, uma cidade já pronta, outra é no Rio de Janeiro, uma cidade mal administrada há décadas.

O Pan não deixou boas lembranças ao Rio. Ao contrário da propaganda, a mesma feita atualmente para 2016, o evento de 2007 não cumpriu quase nenhuma de suas promessas. E a verdade precisa ser exposta, o Pan causou prejuízos à cidade.

Em nome da construção de um velódromo, da arena multiuso e do parque aquático, perdemos o traçado original do autódromo de Jacarepaguá - e com isso as chances de sediar novamente as corridas de Fórmula 1 (que também traz turistas/dinheiro ao Rio, anualmente!!). A luta da Confederação Brasileira de Automobilismo para impedir a intervenção sobre o traçado da pista foi ferrenha. O presidente da Federação de Automobilismo do Rio de Janeiro, Djalma de Faria, com quem conversei por telefone, não guarda boas lembranças, nem elogios, ao presidente do Comitê Olímpico Brasileiro, Carlos Arthur Nuzman.

Mesmo tendo Ayrton Senna como um Herói Nacional, o rolo-compressor do Pan ignorou o esporte automobilístico e passou os tratores sobre a Curva Norte do autódromo, o desfigurando irreversivelmente (CLIQUE NA FOTO PARA AMPLIAR). Em troca, os organizadores do Pan prometeram uma reforma que o colocaria novamente apto para homologação até 2008.



O Pan passou e o acordo não foi cumprido. Recentemente um novo trato foi feito: no caso de vitória para 2016, o autódromo será demolido e a área será utilizada integralmente para as olimpíadas. Um novo autódromo será construído. Não se sabe ainda onde, nem quem pagará pela obra. A olhar pela tradição e retrospecto, o risco de não ocorrer é altíssimo.

Outro “legado” do Pan foi na Marina da Glória, sede dos esportes náuticos. Ao invés de investimentos, o CO-Rio, organizador dos jogos pan-americanos, deixou para trás obras inacabadas. Hoje o que se tem no local é um amontoado de pilares que partem do fundo do mar e aparecem no espelho d’água como um paliteiro mal-ajambrado.

O que aconteceu foi que, com a data de início do Pan cada vez mais próxima, os organizadores do evento acharam que poderiam fazer o que quiser e como quisessem, tudo em nome do Pan. Mas o suposto passe-livre, escorado em uma possível desmoralização internacional caso o Pan fracassasse, esbarrou no pulso firme do Patrimônio Histórico.



No caso, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), que bancou e venceu a queda-de-braço com o CO-Rio, que insistia em descaracterizar a Marina, um local tombado tanto em seu espelho d’água como por estar dentro do projeto do Aterro do Flamengo, que tem todo o seu projeto paisagístico desenhado pelo genial Roberto Burle Marx.

Também chamou a atenção a falta de transparência e, acima de tudo, a perda de controle nos gastos com os Jogos Pan-americanos. Com isso, ficamos impedidos de saber ao certo o preço final do evento. Estimativas colocam as cifras em cerca de R$5 bilhões, para um evento que durou apenas 17 dias. Hoje, com dois anos de realizado, não param de surgir denúncias de superfaturamento, desvio de recursos e notas frias na prestação de contas do Pan.

Isso sem falar na Vila Pan-americana, inacabada até hoje, apesar de ter todos os seus apartamentos vendidos à particulares.

Falando em dinheiro, há outro dado importante. Para conquistar as Olimpíadas de 2016, o COB já gastou cerca de R$80 milhões do bolso do contribuinte. Segundo o meu entrevistado, para trazer a Copa ao Brasil, a CBF gastou cerca de R$10 milhões. O dinheiro é na verdade da FIFA, que sabe que vai recuperar e lucrar ainda muito com o evento. Friso mais uma vez, a FIFA é uma empresa e a COPA é um produto comercializado.

Mas voltando ao comparativo entre os dois eventos, outro dado salta aos olhos, literalmente. A audiência cumulativa - ou seja, a soma da audiência diária. Para os jogos é de cinco bilhões de espectadores, já na Copa do Mundo esse numeral chega a 25 bilhões. Um bom número para se negociar com televisões do mundo todo.


PAGAR PARA NÃO LEVAR

Particularmente não compro a idéia de usar estes eventos como alavancas para o desenvolvimento. O especialista em marketing esportivo com quem conversei acredita que estes eventos são catalisadores de prazos e metas para que os engessados governos realizem grandes avanços. Tenho dificuldade em aceitar este argumento.

Na verdade, uma Copa do Mundo, apesar de ser realizado pela FIFA/CBF, também gera grandes despesas ao país sede. Afinal, são os governos que devem bancar todas as obras de infra-estrutura e de reforma e construção de estádios. Curioso, não? Como foi o Brasil quem quis sediar a Copa, então devemos apresentar uma estrutura aceitável pelos padrões da FIFA. Sim, a Federação Internacional de Futebol irá pagar pelo uso dos estádios, mas esta receita dificilmente cobrirá gastos tão elevados como os que costumam ser apresentados em eventos desta magnitude.

Impossível não citar novamente os Jogos Pan-americanos. À população do Rio de Janeiro foi prometido, por exemplo, a despoluição da Lagoa Rodrigo de Freitas (e acho que também a da Baía da Guanabara), a ampliação do Metrô, entre tantos outros benefícios para a cidade.

Nada foi cumprido. Nem mesmo a Lagoa, um espelho d’água de pequeno porte, teve um projeto de despoluição levado à cabo, fazendo com que os atletas competissem em águas poluídas.

E por falar em Maracanã, impressionante a quantidade de reformas milionárias. A primeira foi em 2000, deixando-o “pronto” para o Mundial Interclubes da FIFA. Depois veio outra reforma milionária poucos anos depois, esta para receber o Pan.

Até aquele momento, R$ 252 milhões já haviam sido gastos na reforma do Maracanã, suficiente para construir um estádio novinho em folha como o de Leipzig, da Alemanha/2006 (R$ 244 milhões), ou o de Seogwipo (R$ 203 milhões), da Coréia/2002. Agora lá vamos nós outra vez reformar o estádio para a Copa de 2014.


Sim, empregos são gerados com toda essa movimentação, mas devemos lembrar que nada mais são do que ofícios efêmeros. Uma vez entregue a obra, os postos de trabalho são automaticamente extintos. Sim, os eventos esportivos movimentam a indústria do Turismo, mas ainda duvido e desconfio da relação custo-benefício.

Não engulo a Copa ou as Olimpíadas. Se o grande legado é o desenvolvimento deixado pelos eventos, que sejam realizados em regiões carentes de investimentos. Porque não levar as Olimpíadas para o Nordeste? Fortaleza, por exemplo? O Rio de Janeiro vem monopolizando todos os investimentos gerados por grandes eventos esportivos. Assim, seguimos a nociva tradição econômica brasileira de concentração de renda no Rio e em São Paulo.

Se existem de fato estes recursos em caixa, os governos poderiam investí-los no país, na cultura, na saúde e na infra-estrutura para que, ao invés de um simples concorrente, o Brasil passe a ser desejado, disputado e cortejado, recebendo os eventos por mérito e não apenas por uma apresentação pirotécnica, por golpes publicitários ou o forjado clamor popular.


Rio 2016, eu quero, mas não agora.




KF


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