segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Dilma: os números não mentem jamais

Enquanto a campanha não começava oficialmente, os especuladores se divertiram com projeções, prognósticos, avaliações, e todo tipo de...   chute! O objetivo parecia ser um só: ter o que falar.

Do outro lado, entre os possíveis pré-candidatos, seguia a curiosa prática de negar a candidatura. O medo de se expor antes do tempo, recebendo o fogo cerrado da oposição e o cansaço da opinião pública com o excesso de exibição, parece ser o principal motivo por esse jogo de esconde-esconde. Seguem fazendo campanha, mas recusando o rótulo. Todo mundo sabe, mas ninguém pode dizer que sabe, pois não tem como provar que sabe.

Assim sendo, Serra e Dilma já estão em campanha há mais de um ano.

Como absolutamente ninguém, a não ser a classe política em si (e os 5% que lêem jornal diariamente no país), se preocupa com isso, qualquer pesquisa que seja feita neste período não terá a menor representatividade.

Talvez sirva para os políticos, já que em alguns partidos ainda existe a possibilidade de uma disputa interna pela vaga à presidente ou governador (o PT tem mais essa “vantagem”, a escolha é de Lula e mais ninguém). Mas não vá pensando que o PSDB seja essa Coca-Cola toda. Aécio Neves bem que tentou, mineiramente, inaugurar no Brasil as famosas prévias vistas nas eleições norte-americanas, mas José Serra não deixou. Como Aécio ainda é muito novo, teve que enfiar a viola no saco e esperar sua vez de sentar na janela.

A disparada
Quando a campanha finalmente começou, os números pareciam sugerir que Serra tinha razão e que o eleitorado estava preparado para uma mudança no poder. Entre a oposição, escoria o doce sabor da vingança e da revanche. A aposta de Lula não iria vingar, e o mensalão do PT iria, finalmente, cobrar sua dívida.

Mas vamos combinar, Dilma não era lá uma amadora. Tinha sido Ministra das Minas e Energia e depois chefe da Casa Civil. Por outro lado Dilma era feia, truculenta e sem o dom da palavra. E, acima de tudo, estava longe de ser unanimidade dentro do PT. Afinal, nem petista ela é.

Lula, um hoje experiente político, sempre soube que nada disso contaria na hora do vamos-ver. Todos os outros concorrentes também sabiam disso, mas fingiam não acreditar. No tabuleiro da política, a estratégia primeira é a dissimulação.

Sobre a transformação de Dilma já falamos no texto anterior. Sobre a teimosia de José Serra, também. (leia o texto anterior sobre os primeiros debates) Agora vamos falar de números.

A disparada de Dilma, hoje com mais de 20% de vantagem, garantindo uma vitória no primeiro turno, talvez não seja tão surpreendente assim. Aos que gostam de previsões, fazendo de uma eleição um páreo de hipódromo, valeria um mínimo de pesquisa. Informação é fundamental.

E os dados estão todos aí. Basta uma rápida olhada na página do Tribunal Superior Eleitoral, com uma completa listagem das eleições ocorridas no Século XX, para observarmos que o que está acontecendo, na verdade, já aconteceu antes.

Os pontos percentuais
A título de curiosidade, vamos começar pela primeira eleição para presidente ocorrida após a ditadura militar. A eleição de 1989 foi uma verdadeira festa da democracia. Vinte e dois candidatos participaram do pleito!

Nomes como o do metalúrgico Luis Inácio da Silva, o pecuarista Ronaldo Caiado, o então vice-presidente Aureliano Chaves, os anistiados Leonel Brizola, Mário Covas e Fernando Gabeira, se misturavam aos alinhados com o governo militar como o paulista Paulo Maluf. Havia também um comunista, Roberto Freire (PCB), um nome histórico, Ulysses Guimarães (PMDB), um bobo da corte, Enéas Carneiro (PRONA), e um novato, Fernando Collor de Mello (PRN).

Jovem, bonito e atlético, Collor apareceu com a alcunha “O Caçador de Marajás”. Mas se engana quem pensa que Collor foi um arrasa quarteirão em sua estréia em nível nacional (já era governador de Alagoas). Collor teve apenas 28% dos votos no primeiro turno, tendo a sua cola Lula, com 16%.

A eleição de 1989 poderia ter sido outra não fosse a quantidade cavalar de candidatos. Com a união das esquerdas (termo cunhado à época), a possibilidade de Lula ter ganho ainda naquele ano seria real. Brizola ficou em terceiro com 15%, seguido de Covas com 10%, Maluf com 8%, Afif Domingos (PL) e Ulysses com 4%. Fernando Gabeira, hoje um político consolidado, fez uma curiosa campanha, tendo como símbolo uma borboleta e o histórico abraço à lagoa Rodrigo de Freitas, no Rio de Janeiro. Gabeira fez mais barulho do que votos, terminando com apenas 0,17%, ou 125.842 eleitores.

A tese da União das Esquerdas fica ainda mais forte se lembrarmos que Collor venceu o segundo turno com margem bem apertada, 49% a 44%.


No meio do caminho tinha um Fernando
Então veio a próxima eleição, dando curso a essência máxima da democracia: a alternância de poder. Com Collor impedido e Lula pronto para a revanche, um novo personagem aparecia para a disputa. Um paulista ainda pouco conhecido da população brasileira. Um novo Fernando. Fernando Henrique Cardoso.

Em 1994, FHC era então o Ministro da Fazenda de Itamar Franco. Fernando Henrique foi vendido como o pai do Plano Real (assim como Dilma é hoje vendida como a mãe do PAC, embora haja uma enorme diferença entre o Plano Real e o Plano de Aceleração do Crescimento). Seria a segunda eleição presidencial do novato PSDB (fundado em 1988 com dissidentes do PMDB) e a primeira com chances reais.

O confronto com Lula foi dos bons. Um pouco mais amadurecido, menos sindicalista e mais político, Lula vinha com sangue nos olhos, principalmente pela, hoje notória, manipulação do debate (Collor X Lula) feita pela TV Globo.

Mas não teve jeito, o vitorioso Plano Real veio como um rolo compressor. FHC levou com 55% dos votos já no primeiro turno.

A eleição de 1994 teve apenas oito candidatos, entre eles os repetentes Brizola e Enéas. Este último assombraria a todos e entraria para a história ao chegar em terceiro lugar, popularizando-se pelo estilo formiga-atômica e pelo bordão: Meu nome é Enéas!!


 Em 1998 a cena se repetiria. Lula perderia novamente no primeiro turno para FHC. A eleição daquele ano voltou a inchar, apresentando 12 candidatos. Foi nesta ocasião que apareceria pela primeira vez o nome do cearense Ciro Gomes.


Aquele que não desiste nunca
Lula tem seu mérito. Vamos dar essa canja para o filho de Lindu. Depois de perder três eleições consecutivas, Lula foi para o quarto embate, 12 anos depois da primeira tentativa.

Já estávamos no Século XXI e a disputa continuava entre os mesmos partidos: PSDB e PT. Como Fernando Henrique Cardoso não podia concorrer ao terceiro mandato (embora quisesse, e, se pudesse, teria ganho), o PSDB tinha que buscar em seus quadros um novo nome para concorrer, mais uma vez, contra Lula.

Foi aí que apareceu José Serra, no mesmo perfil de FHC: paulista, sério e competente. Supostamente quase sinônimos...

A campanha de 2002 foi a mais enxuta de todas, com apenas seis candidatos. Dois personagens se destacariam e influenciariam o resultado final: Ciro Gomes e Anthony Garotinho.

Lula achava que levava no primeiro turno, mas teve que enfrentar Serra também em um segundo turno, vencendo, curiosamente, pela mesma margem nos dois: 23% (46 a 23% no primeiro e 61 a 38% no segundo).

E é aí que aparece a nossa grande coincidência. Incrivelmente, neste momento, a diferença entre Dilma e Serra é exatos 23%!

(E lula pode se divertir. O dia de São Jorge é 23. E São Jorge é o padroeiro do Corinthians, time de coração do presidente. Ahhh, a doce ironia dos números...)


O fator Marina
A grande diferença que favorece ainda mais Dilma é que, naquele pleito, Lula não conseguiu maioria absoluta justamente pela presença de Ciro e Garotinho, que acabaram dividindo os votos. Garotinho terminou em terceiro com 17%, e Ciro em quarto com 11%, impedindo a vitória de Lula no primeiro turno.

É por isso que os tucanos, na surdina, devem estar torcendo loucamente para Marina Silva subir na intenção de votos. Ela é a única que poderá impedir Dilma de levar no primeiro turno.

Se o PSDB tivesse prestado atenção nos números, talvez a opção correta fosse Geraldo Alckmin, que apanhou bem menos de Lula. Em 2006, Alckmin perdeu o primeiro turno por apenas sete pontos percentuais (embora no segundo tenha levado de 60 a 40%).

nota: o colunista vota em Marina. Não por protesto, revolta ou deboche, mas por acreditar conscientemente de que ela faria um excelente governo. Um governo criativo, antenado com a nova filosofia de desenvolvimento sustentável, uma pessoa respeitada internacionalmente, sem compromissos com a oligarquia estagnada, corrupta e incompetente que hoje apóia o atual governo. Marina é a cara deste novo Brasil. Dilma fará um governo razoável, mas nada mais é do que a continuidade. Para Marinar, no entanto, ainda teremos que esperar...


A qualidade do voto
Acima dos números, a grande questão é entender não em quem se vota, mas por que se vota neste ou naquele candidato. As pesquisas se equivocam (talvez propositalmente) em focarem apenas na quantidade e não na qualidade do voto.

Porque Dilma teve esse desempenho estratosférico? Existe realmente a transferência de votos ou o eleitorado entende que Dilma é competente para exercer o cargo?

Dilma ganha porque existe uma alta rejeição à José Serra ou por mérito próprio? Dilma ganha pelos seus acertos ou pelos erros do adversário?

Aliás, falando em erros, talvez não se tenha na história da recente democracia brasileira uma sucessão de equívocos grosseiros cometidos em seqüência por um partido majoritário.

A disputa fratricida interna no PSDB opondo Serra, Alckmin e Aécio, a trapalhada na escolha do vice, culminando com a divulgação do nome de Álvaro Dias e depois sua substituição pelo inexpressivo Índio da Costa. Somadas a total falta de charme de Serra (já disse Vinícius de Moraes), sua conhecida teimosia e centralização de decisões, além da fala mansa demais. Estava tudo errado no PSDB de 2010.

Para todos nós, para a democracia, o ideal seria o segundo turno. Infelizmente, os números não mentem jamais.


KF





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