quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Eleições: o xis da questão

O que a Copa do Mundo e as eleições de 2010 podem vir a ter em comum? Ao que tudo indica, ambas terão sido mornas e sem sal, e serão esquecidas rapidamente.


A Copa da África, para nós brasileiros, simplesmente não aconteceu. Nada sobrou daquela experiência. Nenhuma grande jogada. Nenhuma frase memorável. Nenhuma coreografia de comemoração de gol para ser lembrada por gerações e gerações. Nenhum ídolo. Nada, absolutamente nada. A seleção de 2010 foi muito além de um fiasco, foi um incomensurável desperdício.


As eleições 2010 caminham no mesmo rumo. Estamos a pouco mais de um mês da votação e parece que nada está acontecendo nas ruas, nas rodas de conversa, nas opiniões. O clima de disputa é nenhum.


O cenário pode ser melhor entendido se observarmos os primeiros debates promovidos pela TV Bandeirantes. Não só promovidos, mas alardeados, divulgados, comentados, exclamados e elogiados pela própria Bandeirantes, em um momento em que a emissora paulista, cada vez menos assistida (já em quarto lugar nos índices de audiência), brinca de ser líder.

Apesar de ser considerado o marco do início da campanha, pelo menos por seus realizadores, o debate dos presidenciáveis da semana retrasada deu apenas 3 pontos de audiência, ficando em penúltimo lugar no horário.


Dos 9 candidatos à presidência, lá estavam apenas 4. E foi uma surpresa serem quatro, pois o que se esperava era apenas os 3 já conhecidos: Dilma, Marina e Serra.


Mas lá estava Plínio de Arruda Sampaio, um senhor de 80 anos de idade, com aparência debilitada mas espírito jovem e raciocínio claro e bem humorado (sinal de inteligência, dizem os entendidos). Sem compromisso com a bem-comportância (como diria Odorico Paraguaçu), e dispensando as convenções de cordialidade com os anfitriões, Plínio abriu fogo para falar mal da imprensa. Aproveitou (muito bem) para criticar a escolha dos 3 adversários como prioritários na atenção da mídia e dos institutos de pesquisa.


Pela repercussão no twiiter, parece que ganhou a simpatia de quem assistia ao debate (e não o jogo de futebol, a novela, o pastor eletrônico, os seriados dos canais pagos etc). Mas pouca gente assistia.


Foi uma pena o baixo interesse. O debate estava cheio de curiosidades. Ali se apresentavam, pela primeira vez na história deste país, duas mulheres e dois homens como candidatos à presidência. Em anos de vida, depois de Plínio, vinham José Serra, com 68 anos, seguido por Dilma com 62, e por fim Marina Silva, com 52 primaveras. Como idade não é posto, começavam todos empatados.


É no quesito retrospecto que os sinais começavam a se misturar. O candidato José Serra, pelo seu passado político: militante estudantil, exilado, presidente da UNE, etc e tal, deveria estar no PT, mas está no PSDB, que por sua vez é uma cisão do PMDB, sucessor do MDB, que se opunha ao regime militar antes mesmo de o PT ser sequer fundado.


Outras curiosidades: Plínio de Arruda Sampaio, do PSOL, Partido Socialismo e Liberdade, é nada mais nada menos do que um dos fundadores do PT. Mais do que isso, Plínio foi o autor do Estatuto do Partido dos Trabalhadores. Marina Silva vem na mesma trajetória, é uma petista histórica militando pelo partido desde seus primórdios. E por fim a candidata oficial do Partido dos Trabalhadores, a mineira Dilma Roussef, que por sua vez ajudou a fundar o PDT no Rio Grande do Sul. PDT de Leonel Brizola que, carinhosamente, apelidou o atual presidente da República de “sapo barbudo”.


Então se vê que em política, tudo que é sólido se desmancha nas urnas. A situação também sinaliza que deve haver alguma coisa errada acontecendo com o Partido dos Trabalhadores, visto tanta gente boa que tem pedido para sair.


Por outro lado, os baixíssimos índices de audiência parecem alertar que algo precisa ser feito. O modelo está desgastado e a imparcialidade do mediador acaba deixando o debate correr solto sem compromisso com o conteúdo. Ricardo Boechat, que mediou o debate dos presidentes, é um jornalista provocador. Mostra isso em sua participação na programação matinal da rádio Bandnews. Mas no debate, talvez por orientação, timidez ou despreparo para a função, ficou apagado. Deveria ter provocado os candidatos, orientado o debate, feito perguntas-chave. O pudor acabou atrapalhando a informação, objetivo máximo de um encontro como aquele, ou seja, o de auxiliar o eleitor na observação de cada candidato.


E se está realmente interessada em promover o debate, a TV Bandeirantes deve repensar o horário e a data em que realiza o evento. Quinta-feira às 22h30 não é lá uma boa aposta.


Neste sentido a TV Globo acerta mais uma vez. Cordialmente esperou a concorrente realizar o seu debate para começar sua série de encontros na bancada do Jornal Nacional e demais noticiários da empresa. Alguns acharam o casal duro demais com a candidata Dilma, afinal, outra característica dos petistas é ainda viver no clima de perseguição e conspirações. É só observar as três entrevistas (disponíveis na internet) para ver que a opção por questionar os candidatos foi a tônica em todos os encontros, inclusive na mini-entrevista de Plínio, que certamente ganhou este espaço após sua fulminante participação no debate da Band. Tom questionador que, aliás, não é um padrão da emissora carioca, sempre bem-comportada.



Candidato is beautiful?!

Tínhamos então, no ajeitado cenário montado pela TV Bandeirantes para o debate, dois ex-petistas fazendo oposição ao PT: Plínio pelo novíssimo PSOL, para onde foram os petistas expulsos em 2003 (Heloísa Helena, Babá e Luciana Genro, entre tantos outros da esquerda), e Marina Silva pelo Partido Verde, que completa 25 anos de fundação e onde, pode-se imaginar, Marina já deveria estar há muito tempo.


Representando o governo, o PT, o presidente Lula, estava uma pedetista. E para fechar o quadro, supostamente representando a oposição oficial, José Serra, um ex-ativista político, combatente da ditadura militar, exilado, perseguido, todos atributos de um bom petista (ou o que um dia achamos que seria um bom petista).


Dois paulistas, uma mineira e uma acreana.


Mas ninguém assistia...


No entanto, quem viu pôde conferir a transformação final de Dilma Roussef, que há mais de um ano vem se preparando para esta eleição, pelo menos no que diz respeito a sua estética pessoal. De uma mulher de beleza esquecida, traços masculinizados, dentição amarelada, sobrancelhas grossas, e mal vestida, Dilma estava um espetáculo no debate, nitidamente usando um modelito à la Marta Suplicy. Dilma fez barba, cabelo e bigode. Mudou o corte de cabelo, a cor, o penteado. E qual não foi a nossa surpresa ao descobrirmos que Rousseff tem olhos claros?!?! (na foto em 2010 com o cabelereiro Celso Kamura, responsável pelo visual de Dilma).


Marina, apesar de menos produzida que sua rival, esbanjava a natural elegância de sempre, com seus colares feitos de sementes amazônicas. Perfeita.


José Serra não está nem ai para nada disso. Acha que o que vale no homem são seu poder realizador, sua obstinação e sua competência. Beleza é algo que não lhe foi dado pela mãe-natureza, e talvez ele prefira assim.


Dilma tem uma maquiadora pessoal que a acompanha permanentemente, Marina tem a Natura (permita-me o chiste, senadora), e Serra não admite nem uma base sequer (o colunista não vai falar mais de Plínio não por preconceito ou tendenciosidade, mas simplesmente por não ter mais o que dizer sobre o simpático candidato).


Mas o fato é que o candidato tucano deveria. Sob os holofotes e as teleobjetivas, Serra fica ainda mais desprestigiado em sua beleza interior. Televisão não é como um papo de botequim, televisão engorda, espicha, aumenta e diminui. É preciso cuidado com esse bicho eletrônico.


E assim Serra parece mais cansado, mais inóspito, mais indesejável. Os assessores já devem ter tentando, mas sabemos que Serra é, antes de qualquer outro adjetivo, um teimoso, um obstinado, um homem certo do que está fazendo. A convicção é uma boa postura em 90% das situações de uma vida. Uma eleição para Presidente da República se encaixa dentro dos outros 10%.


Azarões, mestiços e cavalos paraguaios

No início do ano, o colunista achava barbada a eleição de Dilma. O PSDB continuava em suas guerras fratricidas, Serra fingia que não era candidato, Aécio Neves se fazia de morto e, para coroar, vários políticos do PSDB nutriam uma certa queda pela candidata petista.


A protegida do presidente sempre foi uma incógnita. Escolhida pessoalmente por Lula - sem consultar o partido ou pedir uma opinião sequer, Dilma só precisava ficar parada ao lado do presidente para ser eleita.


Mas uma hora ela teria que abrir a boca. Essa era a aposta das oposições.


E não deu outra, em poucas semanas como pré-candidata tivemos uma avalanche de trapalhadas, gafes e equívocos, além de mais um dossiê fajuto. Era o primeiro (e último) teste que ela enfrentaria. Se sobrevivesse, estaria eleita.


Naquele momento, o colunista passou a achar certa a vitória de Serra. Com as pesquisas a seu favor, o tucano chegou a ser considerado eleito no primeiro turno pelo político carioca César Maia, do DEM (sem mandato).


Mas o que teria feito a balança virar novamente, e de forma tão abrupta, agora com a possibilidade real de Dilma vencer no primeiro turno?


Se o futebol é uma caixinha de surpresas, a política é um caixão.


Está aqui o grande mistério e a grande análise que falta ser feita. O institutos de opinião pecam ao perguntar apenas em quem vão votar os entrevistados (pecam por preguiça, omissão ou indução). A mais importante pergunta não está sendo feita: porque você vai votar neste candidato? Precisamos entender como se constrói o processo decisório do eleitor. Essa é a chave do processo (do sucesso).


Sem a apresentação de propostas, pelo menos até este momento, como se deu a flutuação dos candidatos? Escolheu-se pelo histórico de realizações? Pelo partido? Pela sonoridade do nome? Pela cara do candidato? Pela cor da bandeira? Como é feita essa tomada de decisão?


O eleitor vota em Dilma pois quer a continuidade do governo atual? Ou o eleitor quer apenas a continuidade do governo Lula? É uma estranha matemática e um raciocínio difícil de acompanhar.

É curioso ver o planejamento, os marqueteiros em ação, as campanhas, os programas de TV, as fortunas gastas em publicidade, quando, muito provavelmente, nada disso terá efeito nenhum. Resultado algum.


Muitos apostam no início da propaganda na TV. Mas se ninguém assiste?


Quem perde?

No final, vamos entender que a maioria, aquela que efetivamente elege o candidato, vota não no partido, não no projeto, não na base de sustentação, não no histórico, não na capacidade, não no futuro, mas sim na pessoa. A democracia brasileira parece que elege personalidades e não administradores. O colunista não sabe dizer se isso é bom ou ruim, sabe apenas que não gosta da idéia.


No caldeirão que elegerá os próximos governantes há muitos ingredientes: o desejo de continuidade, o desejo de mudança, o desinteresse, o entendimento de que são todos iguais, a ignorância, a venda do voto, a fidelidade, a infidelidade, e tantos outros. Há também a preguiça de pensar. Tomar uma decisão é coisa que dá trabalho e a qual não somos acostumados, já que somos habituados, desde pequenos, a que tomem as decisões por nós. Não é implicância do colunista ou uma visão maniqueísta, é fato que milhares de eleitores decidem seu voto na fila para votar. Não fosse isso uma realidade, os candidatos não investiriam tanto na boca-de-urna...


E o colunista também está convencido de que escândalos de corrupção não afetam em nada a carreira de um político ou o resultado de uma eleição (a morte do filho da atriz Cissa Guimarães mostra um pouco como lidamos com a corrupção, e ela está dentro de casa). Não há esforço de imprensa, de juristas, do Ministério Público, de nada. Os corruptos continuarão sendo eleitos. Um que entendeu isso já ainda cedo em sua trajetória, e por isso mesmo é hoje um símbolo desta postura, foi o político paulista Paulo Maluf, eleito em 2006 para deputado federal por São Paulo com a maior quantidade de votos em todo o país: 739.827. Por isso a lei Ficha Limpa é fundamental e necessária, que poderia ser também chamada de lei Proteja-nos de Nós Mesmos.


O desinteresse pelas eleições só traz um resultado: ganha quem não merece, perde quem não merece, e a vida fica empatada.


KF

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