sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

Mamonas Assassinas: Music is very porreta!

Quando a sessão da pré-estréia nacional do documentário “Mamonas pra Sempre, o Doc” terminou no Largo das Forras, a pracinha no centro de Tiradentes, o colunista se deu conta de que havia marcado uma grande bobeira nessa vida.

O filme do paulista Cláudio Kahns, produtor do premiado “A Marvada Carne” (1985), foi um dos vários longas exibidos na 13ª Mostra de Cinema de Tiradentes, que aconteceu no final de janeiro. Apresentado pelo próprio diretor, o documentário é, na verdade, uma colagem de depoimentos colhidos para um outro projeto do cineasta, uma ficção inspirada na trajetória do grupo Mamonas Assassinas. Segundo o diretor, ao se deparar com o conteúdo das entrevistas, ele viu que poderiam render também um documentário.

Talvez por isso, o filme não seja lá grandes coisas, deixando muito a desejar. Mas independente dos detalhes técnicos, está lá a incrível história deste grupo que causou um verdadeiro terremoto na indústria fonográfica brasileira em meados dos anos 1990. Uma história mal contada visto o enorme preconceito que paira sobre a banda, mas que vale ser relembrada.

Os punks da periferia

Moradores da cidade de Guarulhos, um pobre e populoso município da grande São Paulo, o grupo que formaria o futuro Mamonas Assassinas nascia com a pretensão de fazer sucesso no conjunto habitacional onde moravam, o Parque Cecap.
A banda era formada por dois irmãos, Samuel e Sérgio Reoli, e pelo amigo Bento Hiroto. O grupo chamava-se Utopia e limitava-se a tocar covers dos Titãs, Legião Urbana, entre outras bandas estrangeiras de rock pesado. Não tinham um vocalista pois nenhum dos três dispunha de afinação suficiente para tal.

O vocalista Dinho seria admitido no grupo justo por sua característica mais marcante, e que seria a chave do sucesso da futura banda: era um grande cara-de-pau, no melhor sentido da expressão.

Dinho estava na platéia em um dos shows do Utopia. Nesse dia, antes de tocar a música Sweet Child O’Mine, Samuel perguntou se alguém ali sabia cantar a letra. Era a chance de Alecsander Alves, baiano de nascimento (Irecê, 1971), Dinho para os íntimos.

Uma vez no palco, tirou a camisa, amarrou na testa e rebolou como fazia o lendário Axel Rose, vocalista do Guns N’Roses, autor da canção em questão. Dinho cantou no maior embromation, mas mesmo assim desceu do palco com “emprego” garantido.
Falando em empregos. Samuel Reoli era officeboy, Sérgio trabalhava em uma locadora de vídeos, Bento Hiroto vendia ração para animais, Júlio Rasec, que entra na banda a convite de Dinho, era técnico de eletrônica. O novo vocalista fazia bicos como cabo eleitoral. Essa era a formação humana dos Mamonas Assassinas.

A banda lutaria durante 4 anos por um lugar ao sol, chegando até a lançar um disco, que venderia estrondosas 100 cópias. Prestes a decidirem pela extinção da banda, e provavelmente também da carreira de músicos, uma série de coincidências, que acontecem poucas vezes numa vida, começaram a virar o jogo.

A Utopia era uma banda de músicas mais pesadas, tanto na sonoridade como nos temas cantados. Mas, no tempo vago, alguns integrantes costumavam compor músicas divertidas, com humor ácido e cheio de duplo sentido, diríamos assim um coisa Genival Lacerda com guitarras distorcidas. Era aquele tipo de coisa que a gente faz com amor e paixão, mas que acha que ninguém levaria a sério ou daria valor.

Certa madrugada, enquanto ensaiavam no estúdio, resolveram gravar algumas daquelas canções. A fita cassete teria um fim pouco digno não fosse o fato dela ter caído nas mãos de um produtor musical, que ouviu ali algo de novo, que percebeu no estilo o talento histriônico e teatral. E na música o poder inabalável da espontaneidade.



Mas nem sempre o talento é compreendido por todos. A fita chegou às mãos de executivos da Sony e da EMI. Diretores artísticos de grandes gravadoras são profissionais que deveriam entender de música e que, acima de tudo, deveriam ser capazes de perceber o novo, o vendável, a tendência, a novidade. Mas nem sempre é assim, mesmo para aqueles que ganham muito para isso.

O executivo da Sony ouviu alguns minutos da primeira faixa e atirou a fita no lixo. João Augusto Soares, diretor artístico da EMI, ouviu a mesma canção e só não atirou o K7 longe pois estava dirigindo seu carro. A fita ficaria esquecida no porta-luvas.
Rafael Ramos, filho do executivo da EMI, foi quem encontrou a fita no carro e pediu para escutar. Pré-adolescente, deve ter achado o nome da banda engraçado. Dias depois, João Augusto encontrou-o pulando no quarto com os amigos ao som de Pelados em Santos. Que som é esse?, perguntou ele. É aquela fita dos Mamonas, respondeu Rafael. Deve ter sido ali que João se deu conta da mancada que quase deu.

Mas João ainda assim desconfiou. Achava que aquilo era coisa de produtor musical tentando emplacar uma banda artificial, como muitas que temos que engolir nas paradas de sucesso. Sendo assim, pediu para assistir a um show.

A apresentação foi em uma boate de Guarulhos. Seria naquela noite que os Mamonas começariam a mostrar que não tinham vindo a passeio. Mesmo tendo na platéia um grande executivo de uma gravadora, que poderia ser a chance de suas vidas, os cinco rapazes, ao invés de reverenciá-lo entrando no palco com suas melhores roupas, vestiam apenas cuecas com um disco de vinil costurado na frente, e pantufas nos pés.

O show foi um delírio.

No final da noite, os Mamonas estavam com um contrato assinado com a EMI, que no Brasil era a gravadora dos Paralamas do Sucesso, e no mundo dos Beatles. Um mês depois, voavam para Los Angeles para gravar o disco de estreia. De bandinha conhecida apenas no conjunto habitacional onde moravam, o grupo iniciava ali um ritmo de vida que iria, lamentavelmente, conduzi-los ao final trágico.

As curiosidades em torno da história dos Mamonas Assassinas são muitas. Quando assinaram o contrato com a EMI, a banda não tinha mais que seis músicas compostas e ensaiadas. Nas duas semanas que antecederam o embarque para Los Angeles, as outras sete que completariam o álbum seriam compostas em ritmo frenético, além de Sabão Crá Crá, retirada do folclore escolar.

Com o lançamento do disco em junho de 1995, o fenômeno começou a acontecer. No dia seguinte ao seu lançamento, Pelados em Santos e Robocop Gay já eram as músicas mais pedidas em todas as rádios do Brasil. As vendas disparavam.

Guardadas as devidas proporções, visto a queda nas vendas desde o início da internet, uma comparação ainda é possível de ser feita. Em dezembro do ano passado, a banda Jota Quest recebeu o disco de ouro pela venda de 50 mil exemplares do seu último trabalho, La Plata. Rogério Flausino, vocalista da banda mineira, disse ao receber o prêmio que aquilo era o resultado de muito esforço e muito trabalho em tempos de vacas magras para a indústria fonográfica.

Os Mamonas Assassinas chegaram a vender 50 mil cópias POR DIA. E ganharam, no final de 1995, o disco de diamante pela bombástica venda de 1 milhão de exemplares. O disco chegaria logo depois a 2,3 milhões de cópias. Outra banda com o mesmo resultado foi o RPM de Paulo Ricardo, que vendeu, em toda a sua carreira 3 milhões de discos, mas isso em 10 anos de atividade. Assim se tem um horizonte mais nítido para analisar o desempenho do grupo de Guarulhos.

O meu bumbum era flácido
Mas esse assunto é tão místico
Devido a um ato cirúrgico
Hoje eu me transformei
(Robocop Gay)

E que som era esse que os Mamonas tocavam? Impossível definir. Não há categoria que possamos incluí-los. Em sites de pesquisa encontramos uma definição que deixa muito a desejar: banda de rock cômico.

Sim, o rock sempre foi a inspiração. Utopia era uma banda de rock. Depois com Mamonas, das 14 musicas do álbum 11 tem guitarras distorcidas na melodia. Uma delas, a música Chopis Centis, começa com o solo de guitarra de Should I Stay or Should I Go, da banda inglesa de punk rock The Clash. É mole?!

O disco seguia com paródias com a música sertaneja, com o pagode, com as baladas, e até mesmo com o Heavy Metal. E as letras, eram ruins? Não parece. Dentro do segmento que tinham escolhido para trabalhar, as letras eram geniais e bem elaboradas. Tinham o talento nato.

Robocop Gay, por exemplo, é toda rimada em proparoxítonas. Sem formação musical ou acadêmica, de certo os integrantes nunca tinham ouvido Construção, de Chico Buarque, outra rimada na mesma tônica e considerada um marco de composição da moderna MPB.

O jornalista e historiador Eduardo Bueno, famoso pela série do Fantástico sobre o descobrimento do Brasil, escreveu a biografia oficial da banda (Blá, Blá, Blá: a biografia autorizada dos Mamonas Assassinas - L&PM Editores). Bueno costuma dizer que o estilo da banda era uma síntese entre o som da banda Sepultura e a trilha sonora da rodoviária de Palmas, Tocantins.

E apesar de fazerem um som pesado e com letras cheias de malícia, a banda tinha entre seus seguidores tanto os(as) adolescentes histéricos(as) tradicionais, como adultos e até crianças, chegando mesmo a encantar os mais miúdos ainda em fraldas. A presença de meninos e meninas nos shows era tão expressiva que os organizadores tiveram que, a certa altura, começar a montar um cercado apenas para os pequenos, tanto era a adoração pela banda que cantava nos refrões coisas como: “sabão cru-cru, não deixa os cabelos do saco enrolar com os do cú!”. Fenomenal!

Você me deixa doidião
Oh, yes! Oh, nos!
Meu docinho de coco
Music is very porreta (Oxente Paraguai!)
Pos Paraguai ela não quis viajar (Oxente Paraguai!)
Comprei um Reebok e uma calça Fiorucci
Ela não quer usar (Oxente Paraguai!)
(Pelados em Santos)

Os garotos eram realmente diferentes. Ao contrário de muitos que se deslumbram com o sucesso e tentam se mostrar mais do que realmente são, os Mamonas debocham de tudo e de todos, principalmente de si mesmos e do sucesso que faziam. Não se intimidavam com microfones, fosse nos palcos, fosse nas mãos dos jornalistas. Certa vez, ao chegarem para um show na cidade gaúcha de Bento Gonçalves, um repórter veio com uma dessas pérolas do jornalismo: “E o show de hoje?”, perguntou. Foi que Dinho respondeu sem pestanejar: “Espero que seja super diferente, a gente em cima do palco tocando e o público lá embaixo pulando!”. Saída rápida pela direita...

E tampouco eram cabeças ocas, jovens sendo manipulados por algum inescrupuloso empresário. O marco da curta trajetória dos Mamonas Assassinas é seu retorno à Guarulhos, para tocar para 10 mil pessoas que lotavam o ginásio municipal. Alguns anos antes, ainda como Utopia, os rapazes haviam procurado o prefeito da cidade na esperança de abrir o show que Guilherme Arantes faria no local. Foram escorraçados e desencorajados a seguir na carreira.

Quando voltaram, já como Mamonas, fizeram algo inusitado, colocaram o Utopia para abrir o show. Sim, os mesmos cinco integrantes entraram no palco sem fantasias e fizeram um pequeno show com as músicas da antiga banda. Dinho ainda fez um descarado agradecimento aos Mamonas, reconhecendo a oportunidade que haviam recebido.

Depois, durante o show dos Mamonas, Dinho protagonizaria um momento que entraria para a história de Guarulhos. Parou o show, sentou na beira do palco (vestindo apenas uma lycra rosa) e discursou para uma platéia ensandecida, contando a velha história da rejeição e defendendo que cada um ali perseguisse seus sonhos. Nitidamente revoltado, Dinho termina o discurso desferindo um violento chute no pedestal que segurava o microfone. O ginásio respondeu com urros, gritos e uma salva de palmas ensurdecedora. O registro deste momento é facilmente encontrado no Youtube ao se digitar “desabafo Dinho". Vale a pena conferir.

Roda, roda e vira, solta a roda e vem
Neste raio de suruba, já me passaram a mão na bunda,
E ainda não comi ninguém!
(Vira-Vira)

De Bento Gonçalves à Macapá, os Mamonas correram o Brasil inteiro com suas canções, lotando ginásios e estádios. Com uma frenética agenda de shows, cobrindo em muitas ocasiões duas cidades em uma mesma noite, o grupo não podia mais se valer apenas das rodovias ou mesmo das rotas das linhas aéreas comerciais. Com 30 shows por mês, oito por semana, sendo em muitas vezes dois no sábado e dois no domingo, era impossível continuar viajando apenas de Varig ou Transbrasil.

Agora que eram sucesso, os produtores artísticos e empresários corriam para faturar o máximo possível. Para garantir a presença em todos os palcos, os Mamonas passaram a voar em jatinhos fretados, uma regalia reservada apenas para pop stars internacionais. O grupo gostava do conforto. O vôo particular permitia que eles voltassem para dormir com suas famílias.

Mas a comodidade traria o fatídico acidente quando, na noite de 2 de março de 1996, o jatinho trazendo a banda de um show em Brasília se chocou com a Serra da Cantareira, nos arredores da cidade de São Paulo. Um acidente até hoje pouco explicado visto que a aterrissagem era justamente no aeroporto de Guarulhos, totalmente conhecido dos pilotos e com dezenas de radares poderosos capazes do orientar até mesmo um teco-teco.


O que mais chama a atenção na trajetória dos Mamonas é a forma como os integrantes se relacionaram com as platéias, com o mercado, com a imprensa, e com tudo a sua volta. E mais ainda, o poder da música que encantou admiradores de todos os cantos, de todas as idades e faixas sociais.

Alguém pode dizer: ah, os mamonas foram apenas um efeito do marketing. Doce engano. Muito pelo contrário, aliás. Ainda incrédulos se a banda faria sucesso ou não, os executivos da EMI não deram nem um tostão para o tal marketing. Gravaram o disco, soltaram para as lojas e cruzaram os braços, aguardando para ver no que ia dar. A EMI, ao final, faturaria R$ 80 milhões com os Mamonas. João Augusto deve agradecer até hoje...

Quanta gente,
Quanta alegria,
A minha felicidade
É um crediário
Nas Casas Bahia
(Chopis Centis)



















A história da banda durou menos de seis meses. Tão pouco tempo nos deixa com poucas pistas para analisar o que aconteceu naquele ano de 1995, quando tudo começou. Que tipo de conexão a banda estabeleceu com seu público. Que fenômeno foi esse que abalou as estruturas do showbiz brasileiro fazendo com que outros artistas tivessem medo de se apresentar nas cidades depois da passagem dos Mamonas.

Talvez ainda demoremos a saber o que foi realmente o Mamonas Assassinas e qual a sua contribuição para a música brasileira. E talvez nunca saibamos já que, ainda hoje, a banda resta renegada a uma classificação menor.

Os Mamonas devem entrar para a história da Música Popular Brasileira não por terem sido um fenômeno de vendas, não por terem morrido todos em um dramático e estúpido acidente aéreo, mas sim por terem protagonizado algo novo, pela originalidade, não necessariamente no palco (pessoas fantasiadas cantando músicas divertidas temos aos montes por aí), mas na relação com a vida, pela postura alegre, descontraída e tranqüila, definitivamente não afetada pelo sucesso.

O documentário “Mamonas pra Sempre, o Doc” é fraco e o grupo merece ainda coisa melhor que conte sua história (como o fez a TV Globo em seu especial Por Toda a Minha Vida). Mas o trabalho de Sérgio Kahns abre uma brecha para retomarmos esse diálogo e reposicionar o grupo na história da música brasileira.

As pessoas que estavam antenadas, ou simplesmente abertas para escutar algo novo, sem julgamentos ou preconceitos, souberam aproveitar umas das bandas mais criativas que já tivemos no cenário musical brasileiro.

O colunista, como alertado no início do texto, foi um destes que marcou bobeira e sequer chegou perto de um disco ou de um show dos Mamonas. Espero estar mais atento da próxima vez.





KF



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3 comentários:

  1. Oi Kadeh. Uma curiosidade prá vc: o Rafael Ramos, filho do excutivo da EMI, que lançou o Mamonas, era o baterista do grupo chamado Baba Cósmica , cujo vocal e baixo era do Felipe Knoblich de Souza, filho do Coqueiro, meu marido. A banda passou a fazer as apresentações de abertura do Mamonas. Chegaram mesmo a fazer sucesso. Bj.

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  2. Colega,você que escreveu ai que Guarulhos é um município pobre,favor se informar melhor tá pra não escrever bobagem.

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  3. amei sou fan do mamonas assassinas e até mudei meu nome de bruno ramos para dinho razec ramos.

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