domingo, 19 de julho de 2009

Sarney: a culpa é sua!!!

ou uma breve história de José Sarney

A recente cassação do governador do Maranhão, Jackson Lago, passou quase que totalmente despercebida da opinião pública nacional, entendendo como opinião pública nacional a repercussão de um fato em capitais como o Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte e, quiçá, uma Porto Alegre ou uma Salvador.

Mas por trás deste episódio existe uma história inacreditavelmente patética, triste e sombria da política brasileira: o poder do coronel José Sarney e sua máquina política.

A história é tão cheia de drama, ódio, vinganças, reviravoltas e desfechos inesperados, que se uma Janete Claire tentasse emplacar esse roteiro em alguma novela das oito, provavelmente seria rejeitada pela direção da Globo por total falta de verossimilhança.


Amor e Ódio na Ilha do Amor

Jackson Lago, formado em medicina, é um político maranhense de 74 anos que ocupou a prefeitura de São Luis por três mandatos. Foi considerado o melhor prefeito do Brasil em pesquisas feitas pelo jornal Folha de São Paulo, e era o principal opositor do clã dos Sarney.

São Luis sempre foi um reduto de oposição aos Sarney. Nunca um aliado venceu na prefeitura. A cidade, uma jóia colonial fundada pelos franceses, tem vários apelidos: Atenas Brasileira (por conta da presença de muitos filhos de nobres), Jamaica Brasileira (pela influência da música caribenha), Ilha do Amor (pela quantidade de poetas que louvaram a cidade) e Ilha Rebelde (pelos motivos óbvios).

Lago foi cassado pelo Tribunal Superior Eleitoral após a candidata derrotada, Roseana Sarney, ter apresentado provas de uso indevido da máquina pública ao seu favor. Jackson Lago era o candidato do então governador José Reinaldo Tavares.

Mas quem era José Reinaldo Tavares?

Tavares era mais um dos políticos que foram formados por Sarney. Servil e obediente, sempre apoiou o tutor em todos os momentos. Sarney retribuía: JRT foi seu Ministro dos Transportes.

E seria justamente nesta época, quando ainda era casado com sua primeira mulher e já pai de quatro filhos, que Tavares conheceu uma aeromoça, que atendia em um jato particular da construtora de um amigo, com o qual voava sempre sem pagar. A bela era 34 anos mais jovem.

Começaram um tórrido caso de amor.

Tavares só aí já havia cometido delitos suficientes para ter seu mandato (e seu casamento) cassado por falta de decoro. Menos pela traição a sua esposa, e mais por aceitar favores, como ministro, de uma empresa do ramo da construção. Lembrem-se, José Reinaldo era Ministro dos Transportes, ou seja, construções de estradas, pontes, etc

Por falar em pontes, José Reinaldo já havia provado sua fidelidade ao grande coronel ao construir em São Luís, enquanto secretário de Infra-estrutura do estado, a ponte José Sarney. José Reinaldo seria também vice-governador de Roseana Sarney, em seu segundo mandato (1994 - reeleita 1998).

Mas voltemos ao nosso caso de amor. A paixão pela aeromoça foi crescendo tão forte que Tavares pediu a separação de sua mulher para se casar com ela, agora Alexandra Tavares, com quem acabaria tendo mais três filhos.

Acontece que a família Sarney não gostou nada disso. Acreditavam que pegava mal ter um aliado tão próximo se relacionando como uma figura de profissão tão questionável. Afinal, todos nós sabemos qual, infelizmente, é a imagem das aeromoças em nosso imaginário coletivo. E não se fala mais nisso...

Aceitaram mas nunca engoliram. José Reinaldo certa vez tentou indicar a nova esposa para o cargo de chefe de seu próprio gabinete. A governadora não aceitou. A relação azedou.

Mesmo assim recebeu o apoio dos Sarney para se eleger governador em 2002. Uma vez empossado, não teria outro jeito a não ser aceitar Alexandra como primeira-dama. Mas não ficou só nisso, Alexandra Tavares assumiu uma secretaria criada só para ela, a Secretaria Extraordinária de Solidariedade, além de uma vaga no Comitê de Política Orçamentária do Governo. E começou a mostrar suas garras de mulher-gato.

Roseana, agora senadora, ficou enfurecida e começou, ao estilo Sarney, a preparar a perfídia contra o casal. Colocou detetives e espiões a monitorar cada passo da primeira-dama e, de tanto fuçar, acabou descobrindo uma traição de Alexandra.

Confrontado com os fatos, e muito a contragosto, José Reinaldo acabou se separando da segunda mulher. No entanto, infeliz e amargurado com a vida, não agüentou a solidão e logo propôs uma reconciliação com seu grande amor.

Alexandra, respirando os ares da vingança fria e calculada, aceitou a proposta, mas com uma condição: Agora seria ela a mandar!

José Reinaldo, cego pelo fogo da paixão, capitulou.

Alexandra Tavares deitou e rolou. Ficou conhecida pelas festas modernas que fazia com regularidade no Palácio dos Leões, sede do governo maranhense, e por conduzir o governo (do marido) com mãos de ferro. Era chamada de Alexandra, a Grande.

O rompimento com os Sarney era inevitável.


Mas quem é este homem?

José Sarney é o parlamentar brasileiro há mais tempo em atividade. Iniciou-se na política em 1955 como deputado federal pelo Maranhão. E não parou mais. Curiosamente sempre esteve ao lado daquele que estava no poder. Foi assim desde Jânio Quadros. Acabou ele mesmo, de tanto ficar ao lado, ocupando o próprio poder. Todos sabem a trágica história da eleição indireta de Tancredo Neves.

Depois da sua conturbada e hiper-inflacionária gestão na presidência da república, Sarney se juntou a Antônio Carlos Magalhães e Marco Maciel para fundar o Partido da Frente Liberal (atual Democráticos – um título, aliás, que é no mínimo uma provocação visto a estirpe de seus fundadores).

Sarney não tem nenhuma qualidade política que se tenha notícia. Não se sabe de nenhuma grande gestão, nenhuma grande idéia, nenhuma solução que tenha levado o Brasil a um caminho melhor.

Aliás, muito pelo contrário, com quase seis décadas na política, José Sarney nada fez pelo seu povo. O Maranhão é hoje o estado com os piores indicadores em todos os setores. É o penúltimo no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), atrás apenas, e por muito pouco, do estado de Alagoas. O Maranhão é uma grande miséria, um estado onde impera o analfabetismo, a mortalidade infantil, a fome. E onde estes elementos estão presentes, vêm junto os políticos assistencialistas que se elegem na desgraça e na ignorância alheias.

No Maranhão costumam dizer que os Sarney, fora o guaraná Jesus, a fábrica de pipas do Zé Caveira e a Catuaba do Diguinho, são donos de todo o resto. Família riquíssima, usam e abusam da máquina do estado para enriquecer. Fernando Sarney, um dos filhos homens, que vem aparecendo nas páginas dos jornais cada vez mais (olho nele!), é o braço comercial da família. Fica de fora da política administrando as empresas. Dizem que qualquer empreendimento que queira se instalar no Maranhão ou fazer negócios naquele estado tem que antes se sentar com Fernando Sarney para negociar o “pedágio”. Muitas já desistiram e se queixaram à FIEMA (Federação das Indústrias do Estado do Maranhão), mas o poder dos Sarney é mais forte que a indústria maranhense. São donos também da opinião pública. O Grupo Mirante, com a repetidora da TV Globo (TV Mirante), as rádios Mirante FM e AM, e o jornal O Estado do Maranhão fazem o rolo compressor de notícias favoráveis aos Sarney.

Talvez o grande trunfo de Sarney seja justamente a longevidade na política. O velho bigode deve saber de todos os podres de seus pares. Um “Dossiê Sarney” deve estar guardado a dezessete chaves em algum cofre na suíça, ou nas ilhas Caimã. E com tanta informação, Sarney negocia cargos, salários e verbas.

Desafortunadamente, a acusação que derrubou Jackson Lago é totalmente procedente. Jackson e José Reinaldo Tavares dividiram diversos palanques onde as ações do governo se confundiam com as ações da campanha. E lembremos, José Reinaldo Tavares é cria de Sarney, não poderia atuar diferente.

Mas os Sarney sempre jogaram no mesmo tabuleiro imundo. Para se ter uma idéia de como agem, entre 2004 e 2005 era negociado um pacote de recursos do Banco Mundial que chegaria ao Maranhão na forma do Programa de Desenvolvimento Integrado do Maranhão (Prodin), algo em torno de R$ 60 milhões.

Sarney usou de toda a sua influência para barrar o quanto pôde a entrada destes recursos. Não estava preocupado com o povo que seria beneficiado, ou mesmo com o seu estado. Queria apenas enfraquecer o oponente.

José Reinaldo venceu a quebra-de-braço com Sarney, no que é hoje considerada a grande vitória do grupo opositor. Analistas acreditam que ali começou a ganhar força a candidatura de Jackson Lago, pois ninguém acreditava que alguém conseguiria desbancar o todo poderoso. A vitória no Prodin abriu uma esperança.

Mas Sarney de fato não está preocupado com os Maranhenses, ele quer apenas o poder. E para não ficar fora dele, e temendo não conseguir se eleger pelo próprio estado, Sarney encomendou em meados da década de 1990 uma pesquisa para saber onde conseguiria se eleger senador mais facilmente. Foi aí que descobriu o Amapá, um estado com cerca de 600 mil habitantes, ou a população aproximada da Zona Sul carioca.

Você sabe onde fica o Amapá? Qual a sua capital? Qual o seu governador atual? Já ouviu na vida alguma notícia sobre o Amapá? De todas essas perguntas eu só consigo responder as duas primeiras. Mas Sarney lá se foi. Forjou um endereço eleitoral, obrigatório para um candidato, e venceu em 1998 com meros 97.466 votos, ou 27% do eleitorado amapaense (é assim que escreve?). Em 2006 se reelegeu com um pouco mais de credibilidade, 152.486 votos, ou 53% do eleitorado. Mas ainda números medíocres para alguém que se pretende com tamanha estatura política. Alguém que se considera um estadista. Alguém ex-Presidente da República. Apenas para efeito de comparação, na mesma eleição de 2006, Inácio Arruda (PCdoB) se elegeu senador pelo estado do Ceará com 1.912.663 votos. Eduardo Suplicy (PT) se elegeu em São Paulo com 8.986.803 votos. Epitácio Cafeteira (PTB) se elegeu senador pelo estado do Maranhão com 1.016.240 votos.

Jackson Lago caiu por que Sarney continua o coronel que sempre foi. Dezenas de processos de igual ou pior teor esperam julgamento contra Roseana Sarney no TRE maranhense, mas nenhum consegue avançar em direção ao TSE. Sarney controla o estado.

Um poderia se perguntar, mas o voto não é secreto? O povo não está vendo isso? Continua votando em Sarney?

Mas como vimos acima, o povo maranhense vendo sendo mantido sob miséria justamente para que fique mais fácil de ser controlado. Muitos no interior não acreditam que o voto seja realmente secreto. Temem as represálias contra suas cidades, que podem ficar sem verbas ou projetos, ou contra suas próprias famílias, e vidas. E de fato não estão tão enganados assim. O anonimato é um privilégio das grandes cidades. Pequenas localidades do interior, aonde sessões eleitorais chegam a receber poucas centenas de eleitores, fica muito fácil acompanhar o voto de uma determinada comunidade, de um determinado bairro, ou até de uma determinada família. O medo impera no interior maranhense. Como diria o poeta, quem tem cú, tem medo!

A quantidade de denúncias contra os Sarney e seus aliados não pára de crescer, como um vírus. O marido de Roseana, Jorge Murad, é outro envolvido em casos escandalosos e sombrios. Não podemos perder de vista o caso Lunus, quando a Polícia Federal encontrou 1,3 milhão de reais em dinheiro nos cofres da empresa de Murad, a Lunus Serviços e Participações. Murad deu 16 explicações diferentes para a origem do dinheiro. O caso ficou por isso mesmo, mas conseguimos (José Serra?) nos livrar de uma possível candidatura de Roseana à presidência da república.

A coluna poderia continuar e continuar. Mas o cerne desta questão é entender de onde emana esse poder maligno de Sarney e tantos outros barões da política brasileira ainda atuantes e em franca reprodução. Entender como atuam e se multiplicam é o primeiro passo para estancar essa sangria de dinheiro público.

E é agora que o título da coluna se explica: a culpa é sua!

Quando Sarney subiu ao palanque para jogar na nossa cara de que a culpa não era dele e sim do Senado, estava curiosamente nos dizendo que no fundo a culpa era nossa mesmo. Sua e minha no momento em que optamos por nos afastar da política, por achá-la chata. Somos os analfabetos políticos de Bertold Brecht, nos orgulhando e estufando o peito ao dizer que odiamos política. Nem ao menos na instância mais próxima de nossa jurisdição, as reuniões de condomínio, somos capazes de participar. Não temos tempo, não queremos nos indispor com o vizinho, e as reuniões são chatas e arrastadas...

É nesse cenário que José Sarney faz sua política. No cenário em que não acompanhamos o trabalho do parlamentar que elegemos, sequer lembramos o nome de quem confiamos o nosso voto. Pecamos ao achar que o exercício da cidadania se resume ao confirma na urna eletrônica.

José Sarney nada mais está fazendo a não ser ocupar os espaços que nós deixamos vagos. Antes de comprar o novo broche Fora Sarney, precisamos verificar até que ponto somos nós os verdadeiros culpados.



Em tempo: nossa coluna social não poderia terminar sem dar as últimas notícias. Alexandra se separou de José Reinaldo e agora enfrenta processos do MP por acusações de enriquecimento ilícito. José Reinaldo Tavares, por sua vez, tenta retornar à política maranhense. Atualmente assina um blog. Jackson Lago se retirou para cuidar da saúde. Roseana Sarney assumiu o cargo do governador cassado e ocupa o Palácio dos Leões pela terceira vez. José Sarney é presidente do Senado, e o povo maranhense está agora no maior baixo astral. Sobre o Amapá, eu não sei dizer...



KF



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