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A Copa da África, para nós brasileiros, simplesmente não aconteceu. Nada sobrou daquela experiência. Nenhuma grande jogada. Nenhuma frase memorável. Nenhuma coreografia de comemoração de gol para ser lembrada por gerações e gerações. Nenhum ídolo. Nada, absolutamente nada. A seleção de 2010 foi muito além de um fiasco, foi um incomensurável desperdício.
As eleições 2010 caminham no mesmo rumo. Estamos a pouco mais de um mês da votação e parece que nada está acontecendo nas ruas, nas rodas de conversa, nas opiniões. O clima de disputa é nenhum.
O cenário pode ser melhor entendido se observarmos os primeiros debates promovidos pela TV Bandeirantes. Não só promovidos, mas alardeados, divulgados, comentados, exclamados e elogiados pela própria Bandeirantes, em um momento em que a emissora paulista, cada vez menos assistida (já em quarto lugar nos índices de audiência), brinca de ser líder.
Apesar de ser considerado o marco do início da campanha, pelo menos por seus realizadores, o debate dos presidenciáveis da semana retrasada deu apenas 3 pontos de audiência, ficando em penúltimo lugar no horário.
Dos 9 candidatos à presidência, lá estavam apenas 4. E foi uma surpresa serem quatro, pois o que se esperava era apenas os 3 já conhecidos: Dilma, Marina e Serra.
Mas lá estava Plínio de Arruda Sampaio, um senhor de 80 anos de idade, com aparência debilitada mas espírito jovem e raciocínio claro e bem humorado (sinal de inteligência, dizem os entendidos). Sem compromisso com a bem-comportância (como diria Odorico Paraguaçu), e dispensando as convenções de cordialidade com os anfitriões, Plínio abriu fogo para falar mal da imprensa. Aproveitou (muito bem) para criticar a escolha dos 3 adversários como prioritários na atenção da mídia e dos institutos de pesquisa.
Pela repercussão no twiiter, parece que ganhou a simpatia de quem assistia ao debate (e não o jogo de futebol, a novela, o pastor eletrônico, os seriados dos canais pagos etc). Mas pouca gente assistia.
Foi uma pena o baixo interesse. O debate estava cheio de curiosidades. Ali se apresentavam, pela primeira vez na história deste país, duas mulheres e dois homens como candidatos à presidência. Em anos de vida, depois de Plínio, vinham José Serra, com 68 anos, seguido por Dilma com 62, e por fim Marina Silva, com 52 primaveras. Como idade não é posto, começavam todos empatados.
É no quesito retrospecto que os sinais começavam a se misturar. O candidato José Serra, pelo seu passado político: militante estudantil, exilado, presidente da UNE, etc e tal, deveria estar no PT, mas está no PSDB, que por sua vez é uma cisão do PMDB, sucessor do MDB, que se opunha ao regime militar antes mesmo de o PT ser sequer fundado.
Outras curiosidades: Plínio de Arruda Sampaio, do PSOL, Partido Socialismo e Liberdade, é nada mais nada menos do que um dos fundadores do PT. Mais do que isso, Plínio foi o autor do Estatuto do Partido dos Trabalhadores. Marina Silva vem na mesma trajetória, é uma petista histórica militando pelo partido desde seus primórdios. E por fim a candidata oficial do Partido dos Trabalhadores, a mineira Dilma Roussef, que por sua vez ajudou a fundar o PDT no Rio Grande do Sul. PDT de Leonel Brizola que, carinhosamente, apelidou o atual presidente da República de “sapo barbudo”.
Então se vê que em política, tudo que é sólido se desmancha nas urnas. A situação também sinaliza que deve haver alguma coisa errada acontecendo com o Partido dos Trabalhadores, visto tanta gente boa que tem pedido para sair.
Por outro lado, os baixíssimos índices de audiência parecem alertar que algo precisa ser feito. O modelo está desgastado e a imparcialidade do mediador acaba deixando o debate correr solto sem compromisso com o conteúdo. Ricardo Boechat, que mediou o debate dos presidentes, é um jornalista provocador. Mostra isso em sua participação na programação matinal da rádio Bandnews. Mas no debate, talvez por orientação, timidez ou despreparo para a função, ficou apagado. Deveria ter provocado os candidatos, orientado o debate, feito perguntas-chave. O pudor acabou atrapalhando a informação, objetivo máximo de um encontro como aquele, ou seja, o de auxiliar o eleitor na observação de cada candidato.
E se está realmente interessada em promover o debate, a TV Bandeirantes deve repensar o horário e a data em que realiza o evento. Quinta-feira às 22h30 não é lá uma boa aposta.
Neste sentido a TV Globo acerta mais uma vez. Cordialmente esperou a concorrente realizar o seu debate para começar sua série de encontros na bancada do Jornal Nacional e demais noticiários da empresa. Alguns acharam o casal duro demais com a candidata Dilma, afinal, outra característica dos petistas é ainda viver no clima de perseguição e conspirações. É só observar as três entrevistas (disponíveis na internet) para ver que a opção por questionar os candidatos foi a tônica em todos os encontros, inclusive na mini-entrevista de Plínio, que certamente ganhou este espaço após sua fulminante participação no debate da Band. Tom questionador que, aliás, não é um padrão da emissora carioca, sempre bem-comportada.
Candidato is beautiful?!
Tínhamos então, no ajeitado cenário montado pela TV Bandeirantes para o debate, dois ex-petistas fazendo oposição ao PT: Plínio pelo novíssimo PSOL, para onde foram os petistas expulsos em 2003 (Heloísa Helena, Babá e Luciana Genro, entre tantos outros da esquerda), e Marina Silva pelo Partido Verde, que completa 25 anos de fundação e onde, pode-se imaginar, Marina já deveria estar há muito tempo.
Representando o governo, o PT, o presidente Lula, estava uma pedetista. E para fechar o quadro, supostamente representando a oposição oficial, José Serra, um ex-ativista político, combatente da ditadura militar, exilado, perseguido, todos atributos de um bom petista (ou o que um dia achamos que seria um bom petista).
Dois paulistas, uma mineira e uma acreana.
Mas ninguém assistia...
No entanto, quem viu pôde conferir a transformação final de Dilma Roussef, que há mais de um ano vem se preparando para esta eleição, pelo menos no que diz respeito a sua estética pessoal. De uma mulher de beleza esquecida, traços masculinizados, dentição amarelada, sobrancelhas grossas, e mal vestida, Dilma estava um espetáculo no debate, nitidamente usando um modelito à
Marina, apesar de menos produzida que sua rival, esbanjava a natural elegância de sempre, com seus colares feitos de sementes amazônicas. Perfeita.
José Serra não está nem ai para nada disso. Acha que o que vale no homem são seu poder realizador, sua obstinação e sua competência. Beleza é algo que não lhe foi dado pela mãe-natureza, e talvez ele prefira assim.
Dilma tem uma maquiadora pessoal que a acompanha permanentemente, Marina tem a Natura (permita-me o chiste, senadora), e Serra não admite nem uma base sequer (o colunista não vai falar mais de Plínio não por preconceito ou tendenciosidade, mas simplesmente por não ter mais o que dizer sobre o simpático candidato).
Mas o fato é que o candidato tucano deveria. Sob os holofotes e as teleobjetivas, Serra fica ainda mais desprestigiado em sua beleza interior. Televisão não é como um papo de botequim, televisão engorda, espicha, aumenta e diminui. É preciso cuidado com esse bicho eletrônico.
E assim Serra parece mais cansado, mais inóspito, mais indesejável. Os assessores já devem ter tentando, mas sabemos que Serra é, antes de qualquer outro adjetivo, um teimoso, um obstinado, um homem certo do que está fazendo. A convicção é uma boa postura em 90% das situações de uma vida. Uma eleição para Presidente da República se encaixa dentro dos outros 10%.
Azarões, mestiços e cavalos paraguaios
No início do ano, o colunista achava barbada a eleição de Dilma. O PSDB continuava em suas guerras fratricidas, Serra fingia que não era candidato, Aécio Neves se fazia de morto e, para coroar, vários políticos do PSDB nutriam uma certa queda pela candidata petista.
A protegida do presidente sempre foi uma incógnita. Escolhida pessoalmente por Lula - sem consultar o partido ou pedir uma opinião sequer, Dilma só precisava ficar parada ao lado do presidente para ser eleita.
Mas uma hora ela teria que abrir a boca. Essa era a aposta das oposições.
E não deu outra, em poucas semanas como pré-candidata tivemos uma avalanche de trapalhadas, gafes e equívocos, além de mais um dossiê fajuto. Era o primeiro (e último) teste que ela enfrentaria. Se sobrevivesse, estaria eleita.
Naquele momento, o colunista passou a achar certa a vitória de Serra. Com as pesquisas a seu favor, o tucano chegou a ser considerado eleito no primeiro turno pelo político carioca César Maia, do DEM (sem mandato).
Mas o que teria feito a balança virar novamente, e de forma tão abrupta, agora com a possibilidade real de Dilma vencer no primeiro turno?
Se o futebol é uma caixinha de surpresas, a política é um caixão.
Está aqui o grande mistério e a grande análise que falta ser feita. O institutos de opinião pecam ao perguntar apenas em quem vão votar os entrevistados (pecam por preguiça, omissão ou indução). A mais importante pergunta não está sendo feita: porque você vai votar neste candidato? Precisamos entender como se constrói o processo decisório do eleitor. Essa é a chave do processo (do sucesso).
Sem a apresentação de propostas, pelo menos até este momento, como se deu a flutuação dos candidatos? Escolheu-se pelo histórico de realizações? Pelo partido? Pela sonoridade do nome? Pela cara do candidato? Pela cor da bandeira? Como é feita essa tomada de decisão?
O eleitor vota em Dilma pois quer a continuidade do governo atual? Ou o eleitor quer apenas a continuidade do governo Lula? É uma estranha matemática e um raciocínio difícil de acompanhar.
É curioso ver o planejamento, os marqueteiros em ação, as campanhas, os programas de TV, as fortunas gastas em publicidade, quando, muito provavelmente, nada disso terá efeito nenhum. Resultado algum.
Muitos apostam no início da propaganda na TV. Mas se ninguém assiste?
Quem perde?
No final, vamos entender que a maioria, aquela que efetivamente elege o candidato, vota não no partido, não no projeto, não na base de sustentação, não no histórico, não na capacidade, não no futuro, mas sim na pessoa. A democracia brasileira parece que elege personalidades e não administradores. O colunista não sabe dizer se isso é bom ou ruim, sabe apenas que não gosta da idéia.
No caldeirão que elegerá os próximos governantes há muitos ingredientes: o desejo de continuidade, o desejo de mudança, o desinteresse, o entendimento de que são todos iguais, a ignorância, a venda do voto, a fidelidade, a infidelidade, e tantos outros. Há também a preguiça de pensar. Tomar uma decisão é coisa que dá trabalho e a qual não somos acostumados, já que somos habituados, desde pequenos, a que tomem as decisões por nós. Não é implicância do colunista ou uma visão maniqueísta, é fato que milhares de eleitores decidem seu voto na fila para votar. Não fosse isso uma realidade, os candidatos não investiriam tanto na boca-de-urna...
E o colunista também está convencido de que escândalos de corrupção não afetam em nada a carreira de um político ou o resultado de uma eleição (a morte do filho da atriz Cissa Guimarães mostra um pouco como lidamos com a corrupção, e ela está dentro de casa). Não há esforço de imprensa, de juristas, do Ministério Público, de nada. Os corruptos continuarão sendo eleitos. Um que entendeu isso já ainda cedo em sua trajetória, e por isso mesmo é hoje um símbolo desta postura, foi o político paulista Paulo Maluf, eleito em 2006 para deputado federal por São Paulo com a maior quantidade de votos em todo o país: 739.827. Por isso a lei Ficha Limpa é fundamental e necessária, que poderia ser também chamada de lei Proteja-nos de Nós Mesmos.
O desinteresse pelas eleições só traz um resultado: ganha quem não merece, perde quem não merece, e a vida fica empatada.
KF
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Explicar por que o estádio do Morumbi foi vetado para a Copa do Mundo de 2014 é expor as entranhas de um jogo de poder e dinheiro em um volume que não encontra comparação em qualquer outro ramo de atividade.
Enquanto nos divertimos em bolões, soprando cornetas e ficando roucos de tanto gritar, muito dinheiro está sendo negociado fora dos gramados. A Copa do Mundo, mais do que um campeonato de futebol, é um grande business, mas um mercado fechado para os poucos que pertencem ao círculo de interesses da FIFA.
O colunista já explorou um pouco o assunto (grandes eventos esportivos) no texto “Rio 2016: eu não quero!”, publicado em setembro de 2009. Mas vale voltar ao tema.
O cenário desta vez é o bairro mais nobre do Brasil, o Morumbi. É lá que fica o estádio do mais rico, vitorioso e bem preparado time de futebol brasileiro, o São Paulo Futebol Clube.
Quando o Brasil “ganhou” o direito de sediar a Copa do Mundo, existiam 18 cidades que disputavam o direito de ser uma das sedes. Apenas12 cidades seriam selecionadas pela FIFA, que leva em consideração não só o estádio e seu projeto de construção e/ou reforma, mas a infra-estrutura hoteleira da cidade, sistema de transporte urbano, aeroportos, segurança, opções de lazer etc.
No que se refere aos estádios, as “exigências” da FIFA nada mais são do que condições que já deveriam existir para qualquer campeonato comum: cadeiras individuais numeradas, banheiros limpos e em número suficiente, corredores de acesso largos, e tribuna de imprensa bem equipada, ou seja, o básico do básico. Também é bom ter um amplo estacionamento e um hospital por perto. Chamar isso de “exigência” é no mínimo curioso.
Para sediar a abertura, um estádio deve ter, seguindo ainda os critérios da FIFA, 60 mil assentos, e para o encerramento, 80 mil. Até aí, tudo ia bem para o estádio do Morumbi que detinha moralmente a prerrogativa da abertura da Copa (os estádios de abertura e encerramento serão definidos ano que vem). Mas qual não foi a surpresa de, em meio a Copa do Mundo, uma notícia como essa ser divulgada. Como poderia ter acontecido tamanha catástrofe de planejamento?
Salve Tricolor Paulista, tu és forte, tu és grande...
Há tempos que o projeto paulista vinha sendo posto
Não da grama, evidentemente. A FIFA exigia que a altura da linha do gramado (assim como foi feito no Maracanã para os Jogos Panamericanos) fosse rebaixada em
Como é um estádio privado, teria que ser o próprio clube a custear a reforma. E convenhamos, mesmo sendo o clube dos bacanas de São Paulo, seria difícil encontrar alguma empresa com capital de giro suficiente para patrocinar tamanha movimentação de recursos.
Sendo assim, segundo alegou a FIFA, o São Paulo Futebol Clube não conseguiu, dentro das datas estabelecidas, oferecer as devidas garantias de que conseguiria os recursos para a reforma do estádio a tempo da Copa 2014. Em nota oficial à imprensa, a CBF afirmou:
“Não foram entregues ao Comitê Organizador Local da Copa do Mundo 2014 (COL), por parte do Comitê da Cidade de São Paulo, as garantias financeiras referentes ao projeto do Estádio do Morumbi aprovado pelo COL/FIFA no dia 14 de maio de 2010. O Comitê da Cidade de São Paulo enviou ao COL um sexto projeto, que não será examinado. Sendo assim, fica excluído do projeto da Copa do Mundo de 2014 o Estádio Cícero Pompeu de Toledo, o Morumbi. A FIFA e o COL estão à disposição da cidade de São Paulo para futuras discussões."
E essa foi a versão amplamente repercutida pela grande imprensa.
Enquanto isso no Brasil...
Dos onze estádios que restaram, sete serão reformados (RS, PR, RJ, MG, DF, CE, MT) e quatro serão erguidos do pó (BA, PE, AM e RN). Todos, estritamente TODOS estão com seus prazos criticamente estourados, e muitos ainda estão sem as tais garantias financeiras.
Segundo o planejamento exigido pela FIFA, todas as obras já deveriam estar em andamento desde o dia 1 de março deste ano. Não precisa ser um leitor assíduo de jornais para saber que nenhum, absolutamente nenhum estádio sequer ouviu o barulho de uma britadeira ou abriu um saco de cimento.
Para não dizer nenhum, o estado do Rio, proprietário do Maracanã, realizou uma obra de maquiagem justamente no dia em que o prazo expirou, colocando uma máquina para fazer sondagens para a construção das novas rampas. Pura enganação para jornalista ver e repercutir. Além disso, no último dia 21 de junho, enquanto Portugal metia sete gols na Coréia do Norte, o estádio da Fonte Nova, em Salvador, recebia as britadeiras da Odebrecht para o início de sua demolição (recordar é viver: o estádio da Fonte Nova foi aquele em que o piso rachou e 7 pessoas morreram ao despencarem de uma altura de
Dos 11 estádios, apenas dois são privados como o Morumbi, a Arena da Baixada, de propriedade do Clube Atlético Paranaense (também seriamente ameaçado de sair do páreo), e o Beira-Rio gaúcho, do Sport Club Internacional. Todos os demais pertencem aos seus devidos estados. Maracanã e Mineirão, pelo porte dos estádios e vaidade de seus governadores, serão integralmente reformados com dinheiro público, ou seja, aquele meu e seu. Nos outros serão firmadas parcerias público-privadas (PPP), esse novidade criada nos últimos anos e que ainda não disse realmente ao que veio, além de ter regras e contrapartidas muito nebulosas.
Há casos em que o edital sequer foi lançado, como em Brasília, há casos de contestação na justiça, como em Fortaleza, onde os concorrentes da licitação vêm disputando nos tribunais o direito de participar da licitação. A PPP vêm recebendo contestação também do Ministério Público Estadual e do Tribunal de Contas cearenses. E há casos como o plano megalômano de Pernambuco, que quer construir uma Cidade da Copa, não só com um estádio, mas com prédios residenciais, shoppings, hotéis em um projeto orçado em nada mais nada menos que R$1,6 bilhões.
O governo de Pernambuco também opta pela PPP e acha que, apenas cedendo o terreno vai encontrar empresas dispostas a arcar com tamanho investimento.
Os problemas são generalizados e uma revista de grande circulação já chegou a publicar matéria onde aventaria a possibilidade da FIFA ter um plano B, caso o Brasil entrasse em falência total. Nesse caso, a Copa iria para a Inglaterra. A notícia foi contestada pela CBF e pela FIFA.
Somados todos os custos apresentados pelas 12 cidades sedes, o valor apenas para a infra-estrutura dos estádios está hoje em R$6.222.000.000,00. Mas sabemos que, como em qualquer obra deste porte, o valor final vai ser muito maior (na experiência sul-africana, o valor inicialmente orçado dobrou até a entrega dos estádios – o Soccer City, orçado em R$487 milhões, foi finalizado em R$846 milhões).
Fúria de Titãs
Com quase todas as cidades fora dos prazos oferecidos pela FIFA, por que apenas São Paulo teria sofrido tamanha punição?
O atual presidente do São Paulo Futebol Clube é um cidadão chamado Juvenal Juvêncio. O cidadão Juvêncio e o cidadão Ricardo CBF Teixeira não podem ser convidados para a mesma mesa. E isso não é de agora.
Além da CBF, existe no Brasil uma associação voltada para o futebol que foi criada justamente para tentar sair das garras da CBF: o Clube dos Treze (que na verdade reúne os 20 maiores clubes do país). Na última eleição, em abril deste ano, Teixeira tentou colocar no comando do C13 o amigo Kleber Leite, conhecido ex-cartola do Flamengo e dono da empresa Klefer, que negocia placas publicitárias em jogos amistosos da seleção brasileira e no campeonato carioca.
Não emplacou. Venceu o atual presidente, outro conhecido cartola: Fábio Koff, reeleito e no cargo há 14 anos.
E quem era o principal aliado de Koff? Juvenal Juvêncio!
A briga de bastidores foi grande, reportagem do site UOL informa que Ricardo Teixeira se envolveu diretamente na eleição, pressionando os clubes. A entidade foi acusada, inclusive, de exigir do Botafogo o apoio a seu candidato para liberar um empréstimo de R$ 8 milhões. Não há provas, apenas o voto do Botafogo
E o que significa ser presidente do Clube dos 13? Administrar o contrato de direitos de imagem para a televisão, que hoje gira em torno de R$1,6 bilhão por ano.
E tem ainda outro ingrediente, a disputa entre as TVs Globo e Record. A Globo apoiava Kleber Leite/Ricardo Teixeira, buscando não perder os contratos que já têm. Agora, com a reeleição de Koff e o crescimento da Record, que venceu as licitações para a transmissão dos Jogos Panamericanos de 2011 e das Olimpíadas de
Por outro lado, Juvêncio é acusado de tentar chantagear o Comitê Organizador da Copa do Mundo - 2014 (presidido por Teixeira) usando-se do seu prestígio e do vulto do São Paulo. Uma fonte que conversou com o colunista, em off, afirma que Juvêncio tentou pegar recursos do BNDES - que tem uma linha de crédito de até R$400 milhões aberta a todas as cidades-sede para obras de reforma e construção dos estádios - diretamente com o Banco, e não com uma instituição financeira, como é de praxe. O que acontece é que o BNDES, para se proteger de eventuais calotes, entrega o valor a um banco que, em seguida, empresta ao solicitante. É claro que com isso paga-se uma taxa aos bancos, que no economês é chamado de spread, ou taxa de risco.
Juvêncio achava que não deveria pagar, além dos juros, também o spread bancário. Entrou de sola...
Além disso, Juvenal Juvêncio colocou o pau na mesa e disse que só faria as reformas se o Morumbi fosse oficializado como palco da abertura, coisa que só vai acontecer mais para frente. Maracanã e Morumbi são apenas cogitados como sedes, mas o martelo ainda não está batido. O Maracanã é intocável, todos sabem disso, principalmente pelo resultado de 1950 (queremos revanche!), mas Juvêncio tinha a consciência, visto suas disputas com Ricardo Teixeira, que o Morumbi poderia ficar sem a abertura e sediar apenas as oitavas ou quartas-de-final.
E a África?
Ricardo Teixeira foi estratégico ao derrubar o Morumbi no meio da Copa Africana. Conseguiu com isso abafar as vuvuzelas da discórdia que soariam sem parar no noticiário. Assim, o imbróglio rendeu apenas um dia nas páginas dos jornais.
Aliás, reside aqui outra curiosidade sobre esta Copa. Chamá-la de Africana no stricto senso, ou seja, chamá-la de Negra, que é o que está embutido no eufemismo, é fato que merece uma atenção.
Primeiro porque uniformiza o continente, como se todos fossem negros, tribais, zulus. E a África está longe dessa pasteurização. Mesmo no que chamamos de África Subsahariana, não há essa similaridade de culturas e etnias. É como chamar gaúchos e uruguaios de um mesmo povo. São apenas parecidos. Existem 53 países no continente africano (na América, de norte a sul, são 35, e na Europa, 50), dezenas de línguas e tonalidades diferentes.
E justo a África do Sul, o menos africano de todos os países africanos, ou o nobre leitor que acompanha a Copa do Mundo acha mesmo a Cidade do Cabo com cara de cidade africana? E mesmo assim, o que seria uma cidade com cara de africana, malocas? O preconceito é escorregadio e pegajoso, é preciso ter muito cuidado com as palavras e as idéias. O colunista incluído...
A pergunta sempre houve: será que os africanos serão capazes? E quando a Copa apresentou sérios problemas de gestão e prazos, muitos ainda se perguntaram: não terá sido um erro entregar a Copa aos africanos?
Mas o certo é que no final das contas ficaremos sem saber quem realmente realizou a Copa do Mundo de 2010, já que a FIFA permite pouca ingerência em seus negócios.
Apenas para o leitor entender, quem organiza o evento não é país sede e sim a FIFA, que lista os padrões para os estádios que pretende alugar. A FIFA não é a ONU, mas uma empresa privada que realiza um evento voltado ao lucro. Uma Copa do Mundo não tem nada a ver com uma Olimpíada. Assim como a CBF, que não tem nenhuma ligação com o Ministério dos Esportes brasileiro. A CBF não tem o objetivo de promover o esporte, a integração dos povos, essa coisa toda que vemos
Quem ganha?
Mas por que então países competem para sediar um evento tão oneroso onde os lucros ficarão para a FIFA?
A idéia que nos vendem é que a Copa deixará um legado para a infra-estrutura das cidades e um legado de visibilidade para o turismo. O colunista tem dificuldade de engolir essa história, principalmente depois do que vimos no fiasco dos Jogos Panamericanos de 2007. E sinceramente, alguém acredita que o Rio de Janeiro precisa da Copa do Mundo para amplificar o seu turismo? Será que o Rio precisa das páginas dos esportes, ou precisa apenas sair das páginas policiais? Não me parece que isso se consiga com uma Copa do Mundo.
E Manaus, que tem como mote de visitação à Floresta Amazônica. Alguém acredita que a Amazônia ainda precisa de alguma publicidade a mais? A Copa não mudará em nada o panorama turístico do país. (uma curiosidade sobre o legado de uma Copa do Mundo: o Japão recebeu a Copa de
A Copa do Mundo será um mau negócio para o Brasil assim como foi para a África do Sul. O tema é proscrito, mas é só pesquisar para ver que existem muitas vozes dissonantes no país de Mandela, que vêem a Copa consumir importantes recursos que poderiam ter sido utilizados em saúde, educação, saneamento.
Nem mesmo para divulgar a cultura africana a Copa do Mundo serviu. Pois na abertura do evento, quando a música africana, sendo o continente também o berço de toda sonoridade, poderia ter sido a estrela da noite, quem vimos sob os principais holofotes? O purpurinado Black Eyed Peas e a rebolante Shakira, ambos tirados das paradas de sucesso norte-americanas. A FIFA não está preocupada com a valorização da cultura local do país que recebe o evento, sua preocupação é apenas com os índices de audiência de seu evento, majoritariamente feito para a transmissão via satélite.
Não sei o que sobrará para a África do Sul, mas sei o que está vindo por aí em 2014, e a conta sairá ainda mais cara. Os pagantes da vez somos nós.
A fonte de inspiração para a coluna desta semana é o livro 1808, do colega Laurentino Gomes. A obra, prosaica e informativa, ganhou o prêmio Jabuti em duas categorias: melhor livro-reportagem e Livro do Ano de não-ficção. Também ganhou o prêmio de Melhor Ensaio, Crítica ou História Literária de 2008, já que e o livro foi lançado estrategicamente no ano do bicentenário da chegada da Família Real no Brasil.
Mas não foram os louros que atraíram o colunista para a leitura de 1808 – que tem um baita subtítulo: “Como uma rainha louca, um príncipe medroso e uma corte corrupta enganaram Napoleão e mudaram a História de Portugal e do Brasil”, o livro apareceu em uma conversa com uma colega recém-chegada ao Rio de Janeiro e em crise com a cidade. Uma crise com o descaso que governantes e governados tinham com o Rio de Janeiro, no entender da nova-carioca.
Após a série de impropérios costumeiros sobre a cidade; bagunça, desorganização, sujeira, violência e seus etcs, a colega praguejou: o Rio fede!
“Como assim fede?!”, indaguei tentando entender do que se tratava. Não era fim de feira, caminhão de lixo na dianteira, rua depois de passar bloco de carnaval?! Mas não, segundo a jornalista, a cidade do Rio de Janeiro cheirava mal. E finalizou com essa: “Não sei como vocês agüentam!”.
Vinda de Goiânia, uma cidade projetada, ela estava achando tudo horrível no Rio de Janeiro. “Eu até comprei um livro para tentar entender como essa cidade chegou ao ponto em que está!”, disse ela. “Qual?”, perguntei eu já pronto para adquirir um exemplar também.
- “1808!”, respondeu.
O livro de Laurentino é ótimo. Trata a história como ela merece, ou seja, “conta” uma história, pois assim deve ser. Muito diferente dos compêndios de datas e acontecimentos que fazem os historiadores de carteirinha, presos em sua retórica hermética e seus textos dessalgados.
Laurentino pratica também o salutar exercício da investigação e da comparação de versões. Em se tratando de história, essa é uma rotina fundamental já que, como sabemos, o passado é um acontecimento fácil de se lesar, distorcer e alterar os sinais.
A grande escapada
Talvez por pudor (ou conivência), a palavra fuga é muito pouco usada nos livros de história. Em seu lugar, um conjunto de eufemismos é empregado para explicar porque diabos a família real, o clero e a nobreza de Portugal do início do século XIX, muito bem instalados em seus castelos europeus, simplesmente vieram parar na ensolarada (e precária) Rio de Janeiro.
Vinda, transferência, presença, estada, são os termos que costumamos encontrar nos livros de história. Mas de fato foi uma fuga, e uma fuga e tanto, com todos os elementos: correria, desespero, desorganização, pessoas viajando com as roupas do corpo, raspagem dos cofres públicos, objetos deixados para trás etc.
O povo foi enganado com a desculpa de que o carregamento das embarcações era apenas para manutenção. Os nobres, e os ricos que puderam arcar com a viagem, conseguiram escapar. O povo ficou para trás abandonado, aos prantos ao ver as naus desaparecerem no horizonte. Era uma situação inédita na história da humanidade...
Napoleão Bonaparte – o exterminador do passado
Mas de que fugiam? Ou melhor, de quem?
Nascido na ilha mediterrânea da Córsega, Napoleão (nascido Napoleone di Buonaparte) se considerava o filho da Revolução Francesa. Filho das idéias e ideais de Liberdade, Igualdade e Fraternidade. Queria derrubar as monarquias européias e instalar repúblicas em seu lugar. Napoleão entendia que reis e rainhas simbolizavam o passado e que o futuro era dos governantes eleitos pelo voto, e não por deus.
Napoleão era um sujeito baixinho, carismático e centralizador. Tenente aos 16 anos de idade, general aos 24, imperador aos 35. As Guerras Napoleônicas consumiram 25 anos. Muitos nasceram e morreram sem conhecer o significado da palavra paz.
Com a Europa praticamente dominada ou subjugada, faltavam apenas duas nações para completar a missão napoleônica: Inglaterra, resguardada por sua condição insular e pela marinha mais poderosa da época; e Portugal, que tinha no trono uma rainha louca, e no comando um príncipe regente incapaz e indeciso, dois adjetivos que, curiosamente, ajudariam o futuro Don João VI a escrever seu nome na história.
Na mente de Napoleão, a queda de Lisboa era apenas uma questão de tempo. Já os ingleses, ele sabia que não conseguiria dominar apenas pela força. Sendo assim, decidiu atingir o bolso de Buckingham. Como a Inglaterra, com sua Revolução Industrial, dependia cada vez mais de suas relações comerciais com o resto do mundo, Napoleão decidiu erguer um Bloqueio Continental contra a Grã Bretanha. Ninguém poderia comprar da Inglaterra, ou vender para a Inglaterra.
Don João VI
Tímido, supersticioso, feio e indeciso. Baixo, gordote e desleixado com a higiene pessoal. Tinha medo de caranguejos e trovoadas. Esse era João, filho de Dona Maria I, rainha de Portugal. Diagnosticada como demente, já estava afastada do poder antes mesmo da fuga para o Brasil.
Assumir o trono aos 21 anos foi tudo que João mais odiou em sua vida. Dizem que chorou ao saber da notícia. Queria apenas uma vida simples e abastada que o reino lhe proporcionaria.
Teria sido seu irmão mais velho a assumir o trono, José, mas este havia morrido de uma doença que, já naquela época, era de fácil tratamento: a varíola. Mas quem de fato o matou foi a fé católica de D. Maria I, que não acreditava na medicina dos homens e aceitava apenas a deus na escolha entre a vida e a morte. Talvez para José de Bragança, a loucura de Maria tenha sido diagnosticada tarde demais...
João não era lá chegado a decisões, talvez por isso não quisesse o trono. Praticamente imberbe, viu-se diante da mais importante escolha não só de sua vida, mas da história de Portugal e Brasil. De um lado as tropas de Napoleão, já em território espanhol e marchando em direção a Lisboa para destroná-lo. De outro a Inglaterra, um antigo parceiro e aliado de Portugal, pressionando para que Portugal resistisse.
Napoleão, desacostumado com tamanha inaptidão por parte de um monarca, acabou sendo ludibriado pelo regente português. Com tanta hesitação, João conseguiu ganhar tempo para aceitar a oferta dos ingleses: fuga para o Brasil sob a proteção dos navios de guerra ingleses. Perdia o país, mas não perdia o trono.
Em suas memórias Napoleão daria o crédito ao colega lusitano. Escreveu: “Foi o único me enganou”.
O curioso é que há entre alguns historiadores uma avaliação de que Portugal poderia ter resistido à invasão de Napoleão. O país era conhecido por sua resistência, como na famosa Batalha de Aljubarrota, quando finalmente derrotou os castelhanos e extinguiu de vez as pretensões dos espanhóis em anexar o território português. As tropas napoleônicas que alcançaram Lisboa estavam desgastadas e mal armadas. Abandonada, Lisboa foi saqueada tanto por franceses como, curiosamente, também pelos ingleses. É de se imaginar o terror dos que ficaram para trás, sem nada que os protegesse, vendo os soldados franceses a entrar de casa em casa. “Não há exemplo na história de um reino conquistado em tão poucos dias e sem grande resistência como Portugal em
Tal no Rio como em Lisboa
A cidade do Rio não estava preparada para receber os cerca de 15 mil portugueses que chegaram de uma só vez com a corte de Portugal. Se fosse hoje, não haveria como abrigar tanta gente, imagine no começo do século XIX.
A cidade que Maria, João e Carlota pisaram não era tão diferente assim das portuguesas. Afora a quantidade de negros, do calor e da geografia, o Rio de Janeiro era tão desorganizado, sujo e caótico como Lisboa.
Segundo cronistas da época, Lisboa era uma cidade sem higiene, com as pessoas atirando não só o lixo, como as fezes e urina pela janela das casas. Não havia cemitérios, os cadáveres eram enterrados em terrenos baldios, abandonados na periferia, queimados, ou sepultados em covas improvisadas. Os mais ricos pagavam à Igreja Católica para serem enterrados dentro das igrejas. A corte e a igreja eram igualmente corruptas. Títulos de nobreza e extrema-unções eram vendidos a quem pagasse mais.
O Brasil era um espelho de Portugal, e o Rio de Janeiro uma cidade dependente de sua metrópole, proibida de produzir um alfinete sequer, fornecedora de matéria-prima barata e importadora de bens de consumo sobretaxados. Com tantas restrições, não era de se estranhar que a atividade principal da cidade, e que deixaria marcas e costumes, era a contravenção, o contrabando e o tráfico. Em suma, algo que passamos a chamar, com um orgulho enviesado, de Jeitinho Brasileiro.
Mas temos um novo personagem nesta história que precisa ser mais bem apresentado: Carlota Joaquina. João e Carlota se casaram por procuração, como era a praxe da época entre a nobreza. O casamento não tinha nada a ver com amor ou paixão, coisas do século XX, mas sim com a perpetuação do poder. João de Bragança e Carlota Joaquina tinham, respectivamente, 17 e 10 anos quando se casaram.
Apesar de se odiarem, tiveram nove filhos, sendo que, dizem, nem todos legítimos. Carlota era uma mulher fogosa, apesar de a história lhe guardar adjetivos pouco simpáticos em relação a sua beleza física.
Fora os encontros para a cópula, João e Carlota dormiam em quartos separados. Laurentino cita dois historiadores, Tobias Monteiro e Patrick Wilcken, como fonte para uma versão onde afirmam que D João mantinha uma relação homossexual com seu camareiro Francisco Rufino, que incluía entre suas funções a de masturbar o rei.
Carlota percebia que João era uma pessoa de personalidade fraca. Pensando em assumir o trono ela mesma, tentou dar um golpe de estado. Falhou. João, apesar de tudo, era um cara “de sorte”.
Mas afinal, de que valeu D João VI?
Para muitos, a chegada da corte portuguesa significava muito mais do que o glamour ou a pompa que a circunstância trazia junto. Com a sede do reino instalada no Rio, o Brasil finalmente começaria a sair do papel, 300 anos depois de seu descobrimento.
Aliás, antes de continuarmos é preciso logo corrigir esse equívoco que vem sendo transmitido de geração
Qualquer marinheiro de primeira viagem sabia que a terra era redonda, que não havia dragões no mar, e que existia terra a oeste, e que essa terra não era a Índia, nem muito menos a Ásia.
Cristóvão Colombo chega ao Caribe em
E a prova mais escandalosa de todas, o Tratado de Tordesilhas! Assinado entre Espanha e Portugal em 1494, dividia fraternalmente a América do Sul entre as duas potências marítimas.
Então precisamos corrigir o verbo. O Brasil foi achado! E pasme nobre leitor, não há aqui revelação alguma. É sim de Pero Vaz de Caminha, em sua célebre carta ao Rei D Manuel. Vejamos a primeira linha:
“Senhor, posto que o Capitão-mor desta Vossa frota, e assim os outros capitães escrevam a Vossa Alteza a notícia do achamento desta Vossa terra nova, que se agora nesta navegação achou, não deixarei de também dar disso minha conta a Vossa Alteza, assim como eu melhor puder, ainda que -- para o bem contar e falar -- o saiba pior que todos fazer!”
(em português arcaico: “Posto que o capitam moor, desta vossa frota e asy os outros capitaães screpuam a vossa alteza a noua do achamento desta vossa terra noua que se ora neesta nauegaçam achou, nom leixarey tambem de dar disso minha comta avossa alteza asy como eu milhar poder aimda que pera o bem contar e falar o saiba pior que todos fazer”).
É como se diz, “quem procura...”
Mas como não havia ouro escorrendo fácil pelos riachos, nem mesmo um colarzinho de prata no pescoço dos nativos, Cabral aqui deixou um marco de pedra e seguiu viagem para as Índias. Na verdade, só passou mesmo para garantir as terras à coroa portuguesa. Se demorasse mais, com ou sem Tordesilhas, a Espanha dominaria toda a América do Sul.
Depois disso, o Brasil continuou abandonado por várias décadas (o Rio de Janeiro seria fundado apenas em 1565). Aliás, é curioso visitar Portugal e perceber que Pedro Álvares Cabral é uma figura histórica de menor importância, assim como o achamento do Brasil é visto com menor valor que a conquista do Cabo das Tormentas, por exemplo. O navegador Vasco da Gama tem muito mais prestígio e visibilidade.
E o Brasil seguiria sua condição marginal durante três séculos.
Então, fica mais fácil entender por que a chegada da comitiva real foi tão saudada, não necessariamente por lealdade ou amor ao Rei, mas pelo progresso que, enfim, traria. Mal sabiam os brasileiros (ou brasilienses, como de fato deveríamos ter sido chamados) que logo de cara suas casas seriam confiscadas. Para abrigar a corte, as melhores casas da cidade foram marcadas com as iniciais PR, de Príncipe Regente, mas que logo o povo carioca, já com sua verve satírica, passou a chamar de Ponha-se na Rua.
A chegada da família real, sem planejamento, aviso prévio ou preparação, resultaria também em corrupção, uma corte ociosa e exigente, que demandava luxo e banquetes. Para mantê-los, logo o povo sentiria também no bolso o peso de abrigar uma gente que não trabalhava para o próprio sustento.
Mas parecia que o Brasil tinha, enfim, acontecido. O Banco do Brasil foi criado, fábricas tiveram autorização para funcionar, a imprensa régia foi instalada (demais jornais estavam proibidos, assim como a livre expressão de idéias). Escolas e faculdades, a Academia Real Militar, uma fábrica de pólvora, uma biblioteca, um jardim botânico, um museu, uma missão artística francesa. O Brasil estava em festa.
E a maior decisão de todas, a Abertura dos Portos às Nações Amigas. Outro eufemismo que precisa de revisão. Em nações amigas leia-se Inglaterra, que de fato sentia os efeitos do Bloqueio Continental de Napoleão. Para os ingleses, como sempre, foi um excelente negócio.
São estas realizações que colocaram D João VI em um patamar maior do que realmente mereça, pois talvez não mereça patamar algum. É preciso dizer que João era constantemente assessorado por conselheiros e consultores. A três deles devem ser creditadas as decisões de D João VI. Rodrigo de Sousa Coutinho, o conde de Linhares, responsável pela decisão da fuga para o Brasil. Antônio de Araújo e Azevedo, responsável pela inclusão na bagagem real das máquinas impressoras inglesas, além de serem dele as principais decisões na área de cultura e das artes. E por fim Thomaz Antônio Villa Nova Portugal, que era quem tomava as demais decisões por D. João. “Até este momento ainda não falei a meu filho, quero que me diga se está na mesma opinião; diga-me o que lhe devo dizer e, se houver réplica, o que lhe devo responder”, escreveu D. João a Thomaz Antônio a respeito da decisão de voltar a Portugal.
Talvez o grande mérito de D. João tenha sido o de reconhecer justamente as suas fraquezas e incompetências. Quem sabe a mais sábia decisão que um pode ter em toda a sua vida.
O nascimento de uma nação
D. João VI parece ter gostado da vida que levava no Rio de Janeiro. Ficou na cidade por 13 anos (1808-1821), quando na verdade poderia ter voltado para Portugal dois anos depois da chegada. As tropas de Napoleão já estavam expulsas de Portugal em 1810.
Ao voltar para Lisboa, deixou para trás um déficit gigantesco, um banco falido (raspara novamente os cofres), e uma nação mal-ajambrada, corrupta, perdulária, pobre, analfabeta e dependente do trabalho escravo. Uma nação onde a livre iniciativa e o empreendedorismo eram constantemente reprimidos.
Don João deixou de herança uma elite política e empresarial mal acostumada com a relação de poder com o reino. Subserviente, bajuladora, baseada em favores e propinas.
É tido por uma gama de historiadores como um grande estadista, que uniu o Brasil e o preparou para sua independência, que aconteceria logo depois (1822). Mas o fato com a História é que não podemos voltar atrás para saber como teria sido se fizéssemos diferente. Assim é.
Talvez seja fácil delegar ao passado todos os nossos problemas, nossa desorganização, nossa corrupção, nossos políticos incompetentes. Mas já não teríamos tido tempo suficiente para ajustar o curso?
Ou somos nós o problema?
Somos mesmo um povo com a carga genética dos degredados (Portugal esvaziou suas cadeias mandando todos os condenados para o Brasil), a matriz populacional enviada por Portugal para garantir a posse do território? Ou somos algo novo, fruto da mistura de tantas etnias?
E também fica a pena por Napoleão não ter conseguido atingir seu objetivo, o de esvaziar a Europa de suas monarquias, o regime de governo mais autoritário, corrupto e, acima de tudo, ilegal que já houve na história das civilizações. É patético que ainda permaneçam em países como Inglaterra, Espanha e nos banais Mônaco, Liechtenstein, entre outros. Mas se os ingleses sentem orgulho de serem súditos, paciência (em inglês subject, que na retradução voltaria como sujeito, ou seja, não é cidadão, é sujeito - apenas para apresentar a curiosidade lingüística), só não podemos tolerar a intervenção de supostos reis, como o fez João Carlos da Espanha, em reunião entre presidentes de países ibero-americanos. Hugo Chávez, o controverso, poderia ter respondido: não me calo porque tenho voz e tenho votos. Já João Carlos é rei apenas porque nasceu do ventre de outro rei, todos usurpadores. Napoleão se embriagou do poder e acabou ele mesmo se coroando imperador. Foi pena...
Não sei se a colega, depois da leitura, passou a entender melhor o estado das coisas no Rio de Janeiro. Mas é certo que um olhar ao passado nos ajuda a compreender como chegamos ao ponto em que estamos. Um olhar ao passado com lentes de informação, nos ajuda a desmontar alguns mitos, e reposicionar alguns personagens pois, como diria o poeta, o herói é só aquele que não teve tempo de sair correndo.